Ao comprar ingressos para um show, uma peça, um festival ou qualquer outro evento artístico, o fã se investe de grandes expectativas. Em alguns casos, porém, a experiência cultural transforma-se em frustração. Foi o que aconteceu com a administradora Lúcia Carminda Soares, de 60 anos. Ela comprou entrada para assistir a uma peça no mezanino do Teatro Copacabana Palace, na Zona Sul do Rio, mas o local reservado não tinha visão total do palco. Ao sentar-se, ela deparou-se com um guarda-corpo bem à frente:

— Quando me sentei, meu rosto ficava a três palmos do guarda-corpo. Não consegui ver o palco. Fiquei com os braços no murinho por uma hora e meia para ver a peça. Tentei pedir para trocar de lugar, mas não havia assentos disponíveis. Foi um incômodo. E o ingresso não tinha nenhum aviso sobre isso.

A Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor (Senacon), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, registrou somente neste ano 2.597 reclamações na categoria Entretenimento sobre problemas em eventos culturais. Entre as queixas, estão venda de ingressos com visão comprometida do palco e desorganização. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) diz que esses casos não são raros, mas muitos consumidores preferem não reclamar.

Carolina Vesentine, advogada da área de Relacionamento do Idec, diz que, quando o assento comercializado oferece visão parcial do espetáculo, o consumidor precisa ter a informação antes de finalizar a compra. Em alguns casos, esses lugares são oferecidos com desconto, embora não seja obrigatório oferecer o abatimento:

— Se a empresa tem o mapa do local do evento, ela deve torná-lo público e sinalizar as barreiras. É o direito básico à informação.

Informação ostensiva

O Procon-SP entende que o responsável pela venda de ingressos deve informar de maneira “clara, precisa e ostensiva” a localização dos lugares — poltronas, mesas ou arquibancada. A descrição deve ser feita de modo que o consumidor entenda qual a localização em relação ao palco e se há algum fator que limite a visão, “para que ele faça a sua escolha pautado por esta informação”.

A estudante de mestrado Marian Marchiori, de 31 anos, comprou um ingresso para assistir a uma peça no Teatro Riachuelo, no Centro do Rio, no início do mês, na primeira fileira. Mas a visão foi prejudicada por uma grade à frente dos assentos:

— Quando compramos os ingressos, não havia nada informando. Acreditávamos que veríamos o espetáculo bem de perto, com visão total do palco. Mas, quando sentamos, nos demos conta de que havia uma grade bem à frente. Ficamos de cara com a barra, na altura dos olhos.

Cercada de polêmicas e alvo de notificações de órgãos de defesa do consumidor, a venda de ingressos para os shows da cantora Taylor Swift, em novembro, deixou fãs inseguros. Eles dizem que não tiveram acesso ao mapa do espetáculo no Estádio Nilton Santos. Mas, para as apresentações em São Paulo, no Allianz Parque, houve venda de bilhetes com visão parcial. Neste caso, as entradas eram mais baratas. Aliás, a prática de vender esse tipo de ingresso com um valor mais em conta é comum fora do Brasil.

Além de locais com visão prejudicada, há casos em que os fãs reclamam da organização dos eventos. Foi o que ocorreu no show “Tardezinha”, do cantor Thiaguinho, no Rio, em abril. Relatos nas redes sociais dão conta de tumulto, longas filas e bebidas quentes. Um grupo até acionou a Justiça de São Paulo com pedido de indenização.

Diego Rosa, especialista em Direito do Consumidor e Empresarial, alerta que a Justiça avalia as contestações em eventos caso a caso, e que nem todos os problemas geram direito a ressarcimento de ingressos ou indenização:

— Há casos em que o Judiciário entende como “mero aborrecimento”, um “dissabor cotidiano”, e não uma responsabilidade ativa.

O juiz que analisou a ação de um caso similar ao da “Tardezinha”, no Rio Grande do Sul, mandou a organização devolver parte do valor do ingresso — a diferença entre a área mais cara e a mais barata—, mas negou o pedido de danos morais e materiais por entender que “o prejuízo da visualização do palco do show não enseja reparação por danos morais, ressalvados os casos excepcionais”. A ação envolvendo o show do Thiaguinho ainda não foi julgada.

O Procon-SP entende que o fornecedor de serviços de lazer e cultura tem o dever de oferecer condições mínimas de conforto e segurança para os consumidores, além de garantir uma boa qualidade técnica do espetáculo.

Empresas dizem alertar

Procurado, o Teatro Copacabana Palace afirmou que as produções de cada peça trabalham para realocar pessoas insatisfeitas com seus assentos. Esse redirecionamento pode ser feito para os camarotes ou qualquer lugar disponível. Declarou ainda que “tem identificadas as posições com vista parcial e vai reforçar com as produções e a tiqueteira a comunicação para os clientes”.

O Teatro Riachuelo afirmou que sempre informa, no ato da compra dos bilhetes, quando há visão parcial do palco, e que os ingressos nesses setores têm preços reduzidos. Sobre a grade, declarou que é parte do guarda-corpo e uma exigência do Corpo dos Bombeiros.

A T4F afirmou que todos os que compraram ingressos de visão parcial para os shows de Taylor Swift tiveram acesso aos mapas das arenas no ato da compra, que seguem disponíveis no hotsite da turnê.

A produção do show “Tardezinha” não se manifestou.

Fonte: https://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/