A mineira Edina Carmona, de 75 anos, é aposentada há apenas quatro, mas já coleciona problemas com bancos. Além de um empréstimo feito sem sua autorização, ela alega que recebeu um cartão do BMG mesmo após desistir da contratação.

Durante a conversa com a atendente, Edina entendeu que se tratava de um cartão de crédito comum e chegou a enviar fotos de um documento para fechar o acordo, mas desistiu da transação durante o processo. No entanto, o cartão — que na verdade era consignado — foi entregue mesmo assim, diz a idosa:

— O BMG fez um acordo e devolveu o que foi descontado depois que entrei na Justiça. Já o Itaú fez um empréstimo em meu nome, sem sequer me ligar (para oferecer).

Maria dos Santos, de 63 anos, de Brasília, teve R$ 27 mil depositados em sua conta apesar de ter recusado o empréstimo oferecido pelo C6 Bank. Ela conta que, após a recusa, a atendente disse que era preciso atualizar seus dados para que sua aposentadoria não fosse cortada:

— Pediram foto para a prova de vida. Mandei.

Maria pensou que o dinheiro depositado era o valor retroativo da aposentadoria cujo pagamento ela aguardava e usou tudo na reforma da casa. A dívida chegou a R$ 60 mil, com os juros. E o caso foi parar na Justiça.

Queixas em alta

De janeiro a junho deste ano, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça, registrou 28.608 queixas sobre empréstimos consignados, das quais 5.011 relativas a créditos não contratados ou reconhecidos.

No mesmo período, o Procon-SP registrou 1.553 reclamações de consignados não reconhecidos ou solicitados, 65% a mais do que no mesmo período de 2022. No Procon-RJ, as queixas sobre empréstimos com desconto em folha cresceram 160% em relação ao primeiro semestre de 2022, chegando a 730.

No caso de M.L., de 77 anos, moradora de Pedro Leopoldo, em Minas Gerais, que preferiu não se identificar, a tentativa de fraude aconteceu numa agência do Banco Mercantil. Ela foi à instituição abrir uma conta, assim que se aposentou. A atendente ofereceu até R$ 20 mil em crédito, mas ela negou. No entanto, no meio da papelada de abertura da conta, estava uma autorização de empréstimo consignado.

— Li “consignado” e disse a ela para não assinar. A atendente ficou de cara fechada, pediu desculpas e disse não ter reparado que o documento estava no meio — conta a babá M.J., filha da aposentada.

Wadih Damous, secretário Nacional do Consumidor, diz que isso é crime:

— Essa funcionária poderia responder criminalmente por iludir a pessoa para induzi-la a aceitar um empréstimo. É gravíssimo. O sistema de metas dos bancos pode estimular abusos de funcionários, que se sentem pressionados a apresentar resultados.

Segundo especialistas, a maior parte dos empréstimos não autorizados está ligada a correspondentes bancários — pequenas corretoras que atuam em lugares afastados dos centros urbanos. Ione Amorim, coordenadora do programa de Serviços Financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), diz que a autorregulamentação do setor — com regras de publicidade, transparência e crédito responsável — tem sido insuficiente para coibir abusos:

— A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) sempre diz: “Expulsamos tantos”. Só que os correspondentes se certificam como empresa, aplicam golpes e criam uma nova quando são excluídos. O banco não pune porque eles ampliam o crédito.

Damous concorda e acrescenta:

— O problema é que a autorregulamentação é violada pelos próprios agentes. Os bancos precisam assumir a responsabilidade.

Em nota, a Febraban destaca que foram aplicadas 1.200 medidas contra correspondentes desde que as regras entraram em vigor, em 2020. Apenas 46 foram suspensões definitivas.

Por isso, na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto segundo o qual aposentados do INSS e servidores públicos terão 60 dias, a partir do recebimento de um crédito contratado irregularmente, para comprovar o engano ou a fraude. A partir daí, a instituição financeira envolvida terá 45 dias para apresentar justificativas. Caso não o faça dentro do prazo, poderá ser multada em 10% do valor da operação. O texto, agora, seguirá para o Senado.

Pegadinha

Outra pegadinha a que o consumidor é submetido, dizem especialistas, é a oferta do “financiamento com troco”, como se fosse portabilidade. Enquanto a migração garante ao cidadão um empréstimo com taxa de juros menor, o que se reflete em redução do valor da mensalidade ou do número de meses a pagar, no “financiamento com troco” o cliente refinancia e recebe ainda algum dinheiro. Mas, no fim, o banco mantém a taxa, acrescenta o valor depositado e amplia o prazo, deixando a dívida maior.

Há também fraudes mais sofisticadas, nas quais, em lugar de depositar o valor do crédito não requisitado na conta-corrente do consumidor, o banco direciona o valor para investimentos de forma que não se perceba a falcatrua, diz Vanessa Chulu Costa Murta, especialista em Direito do Consumidor:

— Aconteceu com um cliente. Ao reclamar com o banco, argumentaram que o empréstimo foi feito no caixa, mas meu cliente é analfabeto e não consegue usar a máquina sozinho.

O que dizem os bancos

Sobre o cartão de crédito consignado de Edina, o banco BMG ressaltou que a formalização foi realizada com o envio de selfie, documentação e aceite eletrônico da cliente. Já o Itaú Unibanco afirmou adotar “critérios rigorosos de seleção e controle, além de monitorar constantemente a conduta de seus correspondentes e, em caso de irregularidades, realiza o bloqueio ou o descredenciamento dos responsáveis”. Informou ainda que contataria Edina para resolver o caso.

Sobre Maria dos Santos, o C6 Bank declarou que não compactua com desvios na oferta de consignado e se colocou “à disposição para auxiliar a consumidora por meio dos canais oficiais de atendimento”.

Procurado sobre o relato da aposentada de Pedro Leopoldo, o Banco Mercantil informou que a concessão de empréstimo segue padrões de transparência, ética e responsabilidade, sendo efetuada apenas com “o consentimento do cliente”.

Aconteceu comigo. E agora?

  • Comunique ao banco: Se houver depósito que não reconheça na conta, não use o dinheiro. Se for empréstimo não autorizado, peça a suspensão imediata, diz Mozar Carvalho, advogado do escritório Machado de Carvalho Advocacia.
  • Reivindique o reembolso ao banco: Se tiver valores descontados de empréstimo não autorizado, peça o reembolso administrativamente.
  • Guarde os documentos: Carvalho destaca que é essencial documentar a comunicação, com nome do atendente, data e protocolo, além de fazer prints das conversas e guardar os e-mails trocados, assim como os extratos bancários.
  • Denuncie: Empréstimo sem autorização pode ser denunciado ao Procon, ao portal consumidor.gov e ainda à Defensoria Pública. Registre queixa no Banco Central.
  • Justiça é um caminho: Não conseguiu resolver? Vá à Justiça. Neste caso, cabe inclusive dano moral.

Como bloquear consignado no INSS: Para bloquear um empréstimo no INSS, ligue para a central 135, que funciona de segunda-feira a sábado, das 7h às 22h, ou entre no site ou no aplicativo Meu INSS e siga o tutorial:

  • Clique em “Novo Pedido”.
  • Informe seus dados.
  • Na barra “O que você precisa?”, digite “Bloquear”.
  • Selecione “Bloquear/Desbloquear Benefício para Empréstimo Consignado”.
  • Siga os comandos e finalize.

Veja como bloquear ligação de bancos: Para bloquear ofertas indesejadas por telefone, entre no site nãomeperturbe.com.br. Se as ligações não cessarem, denuncie ao banco e ao Procon.

Fonte: https://extra.globo.com/economia/noticia/2023/08/emprestimo-consignado-bancos-concedem-credito-que-o-cliente-sequer-pediu.ghtml