O modelo de venda que era o carro-chefe do Hurb, de o cliente pagar um pacote de turismo com mais de um ano de antecedência e só marcar depois a data da viagem, aumenta os riscos para o consumidor, dizem especialistas.

Nos últimos meses, a agência de viagem foi alvo de queixas porque passou a atrasar pagamentos a fornecedores e deixou de honrar os contratos com os consumidores, que não conseguem mais viajar. A crise teve seu ápice na semana passada, com a renúncia do CEO da empresa, João Ricardo Mendes, depois de ele xingar usuários e tratálos com deboche.

Atraídos pelos preços, que chegam a ser até 50% menores do que os do mercado, os consumidores não se dão conta que, em alguns pacotes, não é informado sequer qual a companhia aérea que realizará o voo ou o hotel em que irão se hospedar.

— Sem essa informação sobre quem prestará o serviço, não há como responsabilizar hotéis ou empresas aéreas caso a agência não cumpra o pacote. As autoridades deveriam ter monitorado isso e visto que os preços não se sustentariam diante da discrepância com a prática do mercado quando houve o boom de venda em 2020. Só agiram quando a crise estourou — critica Luciana Atheniense, advogada especialista em Direito do Turismo.

Para Ricardo Morishita, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), esse modelo de pacote é quase uma loteria para o consumidor:

— As informações no ato da compra não dão a ele nenhuma garantia nem de data, nem de que as passagens ou a hospedagem estão de fato contratadas pela operadora com algum prestador. É como se ele estivesse numa loteria em que é possível que ele ganhe e viaje, mas há chance que não. Ele depende, que dentro do prazo estabelecido para usufruir o serviço, os fornecedores tenham tarifas promocionais vagas no perfil contratado. E há restrições contratuais que não estão claras na oferta.

O próprio Hurb tem alegado em sua defesa que, após a pandemia, “o setor de turismo vem enfrentando uma grande instabilidade na relação ‘oferta x demanda’, com redução da malha aérea e a indisponibilidade de tarifário promocional.”

Senacon reconhece falha

Para Igor Britto, diretor de Relações Institucionais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), esse modelo de negócios beira a ilegalidade e é preciso que as autoridades coíbam essas práticas:

— Esse modelo dever ser proibido por colocar o consumidor em alto risco, é uma especulação no mercado de turismo que se firmou num vazio de monitoramento dos órgãos de defesa do consumidor.

Wadih Damous, titular da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão do Ministério da Justiça, reconhece que houve falha no monitoramento do setor e que é preciso adotar uma nova estratégia que previna a repetição de crises como essa:

— Independentemente das novas formas de oferta, a contratação em espaços virtuais e por meio de aplicativos não pode estar à margem da legislação vigente. O exemplo do Hurb mostra que precisamos estabelecer uma política séria, não agir apenas de forma repressiva diante do problema instaurado. Atualizar a legislação é um caminho.

Morishita afirma que uma atualização pode ser bem-vinda, mas que há leis que já se aplicam a esses casos:

— O Código de Defesa do Consumidor já determina a oferta clara e informação ostensiva. E o modelo de negócio do Hurb poderia ser caracterizado como captação de poupança popular, já que as pessoas pagam antes por uma expectativa de prestação de serviço. Mas isso também já está previsto em lei, onde há critérios de gestão e provisionamento, controlados pelo Ministério da Fazenda.

O que diz a empresa

Procurado, o Hurb afirmou ter “todos os registros necessários para operar dentro do modelo de negócio da empresa”. Ao ser questionado sobre a falta de previsão de quem prestaria os serviços e se havia garantia de passagem e hospedagem na venda dos pacotes, apesar de não serem designadas as empresas, a plataforma afirmou que “o consumidor é informado sobre a companhia aérea que realizará seu voo na confirmação de sua data de embarque, enviada por e-mail. No caso da compra de pacotes de viagens, a hospedagem é informada no prazo de até 15 dias antes do embarque.”

Num ano cheio de feriadões e com as proximidade das férias, Britto recomenda atenção redobrada:

— Preço muito abaixo da média do mercado é sinal de alerta. Não existe almoço grátis. É é preciso verificar quais os riscos ou restrições embutidos. Se parecer muito interessante, perca um tempo verificando os parceiros e no Consumidor.gov, em que é possível consultar o número de queixas, os motivos e saber se a empresa resolve os problemas.

O que é preciso saber antes de fechar o pacote

A empresa existe? Fuja de empresas que não informam em seu site endereço, telefone para contato e CNPJ. Se tiver esses dados, confira numa pesquisa na internet mesmo se o CNPJ está ativo, se há pendência.

Cadastro: para saber se a empresa opera legalmente, verifique o Cadastro do Ministério do Turismo (Cadastur) e também consulte a lista de credenciadas à Abav.

Reputação: deve-se ser ainda mais exigente ao comprar on-line. Pesquise em sites especializados e no Consumidor.gov.br, no qual podem ser consultadas as queixas de consumidores, os principais problemas e o índice de solução das empresas.

Cuidado com influenciadores: lembre-se que há posts incentivados, nem todos os elogios são espontâneos.

Atenção a preços: assim como qualquer compra, desconfie de preços muito fora da média e verifique as restrições embutidas.

Atenção ao contrato: observe se o contrato estabelece com clareza qual a companhia aérea que prestará o serviço, assim como o nome do hotel. A não informação dos fornecedores aumento o risco ao consumidor, o que pode ser considerado uma prática abusiva. E impede a responsabilização dos parceiros em caso de problemas.

Futuro distante: em casos de pacotes a serem realizados em períodos maiores que um ano, a recomendação é verificar com a empresa aérea e o hotel se já estão fazendo reserva para essa data ou se mantêm algum acordo comercial com a plataforma de venda que garanta a reserva.

Responsabilidade solidária: os especialistas dizem que hotéis e empresas aéreas têm responsabilidade solidária com a agência ou operadora quando vinculados ao pacote, mesmo que apenas na oferta. Isso quer dizer que, no caso do Hurb, quem tem hospedagem reservada e está com a passagem marcada deveria usufruir do serviço, independentemente de o Hurb ter repassado os valores.

A quem reclamar: em caso de problemas, o primeiro passo é reclamar ao vendedor e documentar esse contato. Não tendo solução, registre.

Fonte: https://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/noticia/2023/04/pacotes-do-hurb-em-que-se-paga-antes-de-marcar-a-viagem-eleva-risco-para-consumidor-veja-o-que-fazer.ghtml