Trabalhador é surpreendido ao consultar aplicativo do Fundo com retiradas e até contratação de empréstimos em outros bancos

Por Agência O Globo | 04/09/2022

Depois dos relatos de trabalhadores que foram alvo de fraudes na época do saque emergencial, dentro do aplicativo Caixa Tem, agora surgem problemas envolvendo o saque-aniversário do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) Essa modalidade, pouco conhecida por muitos brasileiros, tornou-se alvo de golpistas que, após fraudarem os acessos, desviam valores e até contratam empréstimos no nome das vítimas.

Implementado em 2019, esse tipo de saque permite a retirada anual de uma parte do saldo do FGTS. Uma vez ativado, o resgate possibilita ainda a contratação de empréstimo — na Caixa ou em mais de 70 instituições financeiras habilitadas — para antecipar as parcelas dos anos seguintes. O crédito usa os valores do FGTS como garantia, o que, nas mãos dos golpistas, pode virar um prejuízo grande para as vítimas.

O trabalhador não é obrigado a aderir ao saque-aniversário. Quem opta pela modalidade, no entanto, só consegue retornar ao saque-rescisão dois anos após a adesão. Ou seja, se for mandado embora, o trabalhador que adere à retirada anual perde o direito de sacar o saldo total de sua conta do FGTS em caso de demissão.

Ex-funcionária de uma empresa de seguros, Adriana Kury, de 54 anos, só descobriu a fraude ao ser demitida, em meados de julho. Quando tentou acessar o aplicativo do FGTS para receber o saque-rescisão, não conseguiu concluir o cadastro. O sistema informava que seu CPF já estava na base de dados, mas o e-mail e telefone não eram os seus.

Adriana procurou uma agência da Caixa, onde seus dados foram corrigidos, mas não foi informada sobre a possibilidade de se tratar de golpe:
“Ninguém me alertou que podia ser fraude. Até então, não sabia que estava com o saque-aniversário ativado. Sequer sabia que essa modalidade existia.”

Concedido o acesso ao app do FGTS, ela verificou que, além de ativarem o saque-aniversário, os criminosos tentaram sacar R$ 7 mil.

“Por alguma razão, que nem a Caixa conseguiu esclarecer, a transação não aconteceu, e o valor retornou ao Fundo. Mas, por conta dessa fraude, tive de esperar 40 dias pela análise do banco e ir cinco vezes a agências da Caixa até provar que não tinha sido eu a trocar o tipo de retirada e ter direto a sacar meu FGTS”, queixa-se Adriana.

Perda em dose dupla
O engenheiro civil Diego Altieri, de 42 anos, foi vítima da tentativa de golpe em 2020, mas escapou por pouco de perder parte do seu FGTS. Na época, ele recebeu uma ligação do Banco do Brasil (BB) para confirmar uma transação de R$ 999,99, que o banco estranhou por conta do valor quebrado. No entanto, ele já não era correntista do BB há mais de dez anos.

O alerta de que os criminosos criaram um cadastro com o CPF de Altieri no aplicativo do FGTS veio do próprio BB. Após o acesso indevido ao Fundo, os golpistas ativaram o saque-aniversário e transferiram cerca de R$ 3 mil para uma conta no BB aberta no nome do engenheiro. Após identificar a fraude, Altieri reclamou à Caixa, que restituiu os valores:

“O que me deixou mais impactado foi conseguirem fazer isso tudo, abrir uma conta em meu nome e movimentações financeiras, sem foto de um documento meu ou minha assinatura. Estamos completamento expostos.”

O tecnólogo de radiologia Leandro Teixeira, de 41 anos, recebeu, em meados de junho, uma notificação do Banco Pan de que um boleto de R$ 2.150 fora pago em sua conta. Sem saber do que se tratava, acessou o aplicativo do banco e descobriu que havia sido feito um empréstimo via saque-aniversário do FGTS, que resultou em depósito de R$ 2.480,96 em sua conta, que os criminosos acessaram pelo boleto. Os golpistas ainda fizeram uma recarga de R$ 10 para o telefone que cadastraram no banco.

Teixeira procurou o Pan, que confirmou o indício de fraude, mas concluiu que a operação foi feita “em aplicativos oficiais com senhas pessoais” e, por isso, não faria o ressarcimento. A Caixa, conta ele, confirmou que a modalidade de saque-aniversário foi ativada e, após apuração com o Pan, disse não ter encontrado irregularidades e que não se responsabilizaria pelo crédito contratado com garantia do FGTS, nem converteria a modalidade de saque do trabalhador no Fundo de volta para a de rescisão.

“O empréstimo foi feito com a antecipação de sete parcelas do saque-aniversário, a serem debitadas do FGTS todo mês de abril até 2029. Com os juros, o valor chega a R$ 4.215,29. O problema é que ainda não consegui restituição do banco, nem cancelar o empréstimo e desbloquear os valores do Fundo”, reclama.

O Banco Pan diz ter prestado esclarecimentos ao cliente e que as validações de senha são pessoais e intransferíveis para alteração de cadastro.

A Caixa não informa quantos casos de acessos indevidos ao FGTS envolvendo o saque-aniversário já foram detectados, mas o golpe parece estar se expandindo. Vítimas da fraude contam que nas agências já há até um protocolo para lidar com contestações dos trabalhadores, com formulário específico a ser preenchido para esse tipo de relato.

Bancos são responsáveis
O documento, segundo a Caixa, contém as informações necessárias para que a suspeita de fraude seja analisada. Segundo o banco, todas os dados sobre suspeitas de fraudes são considerados sigilosos e repassados exclusivamente à Polícia Federal para análise e investigação.

Procurada, a Polícia Federal não retornou até o fechamento desta edição.

Em nota, a Caixa afirmou ainda que “emprega mecanismos múltiplos de proteção e monitoramento para aprimorar a segurança de seus sistemas e mitigar a ação de fraudadores, tais como: validação de dados, autenticação por senha, validação de documentos e segundo fator de autenticação”.

Na avaliação de Daniel Dias, professor da Faculdade de Direito da FGV, no entanto, faltam detalhes a serem informados pela Caixa que expliquem de que maneira os criminosos estão tendo acesso às contas do FGTS dos trabalhadores. Pelas narrativas, diz ele, “são questões claras de falta de segurança dos dados”:

“As vítimas são absolutamente surpreendidas pelo golpe. Parece uma atuação dos golpistas diretamente com o banco, e não alguma fragilidade envolvendo o correntista, como casos em que as vítimas clicam em links que dão acesso aos golpistas a informações privadas, como senhas e dados cadastrais.”

Dias defende que, nesse caso, não há espaço para que a Caixa e outras instituições financeiras — no caso do empréstimo com antecipação do saque-aniversário — se isentem da responsabilidade.

“Há uma falha na proteção de dados. Entendo que os clientes estão resguardados e têm direito a ressarcimento em caso de prejuízo, além de ações indenizatórias por dano patrimonial e até moral. Não tem como os bancos se isentarem em uma situação dessas.”

Segundo a advogada de Direito do Consumidor Carolina Silva Jardim, quem for lesado deve recorrer à Justiça caso não consiga resolver o problema administrativamente com a Caixa e outros bancos envolvidos na fraude:

“De acordo com a súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), as instituições financeiras devem responder, independentemente de culpa, por fraudes praticadas por terceiros no âmbito das operações bancárias.”

Saiba como agir em caso de golpe

O que é saque-aniversário?
O saque-aniversário é uma retirada anual de parte do valor disponível na conta do FGTS. A adesão deve ser feita até o último dia do mês de aniversário do titular, pelo aplicativo do fundo.

O saque pode ser feito a partir do primeiro dia útil do mês de nascimento do trabalhador e até dois meses depois. A quantia liberada anualmente depende do saldo somado das contas de FGTS.

Há sete faixas de pagamento. A regra permite o resgate de 5% (para quem tem acima de R$ 20 mil) até 50% (para quem tem até R$ 500 na conta). Há ainda a parcela adicional, para depósitos maiores que R$ 500, que varia de R$ 50 a R$ 2.900.

Faça o cadastro

  • Se ainda não tem o acesso ao aplicativo do FGTS, cadastre-se. Para isso, basta baixar a plataforma na loja de aplicativos do fabricante do seu celular. Após instalar o app, selecione a opção “Cadastre-se” e preencha os dados solicitados: CPF, nome completo, data de nascimento e e-mail. O sistema pedirá uma senha de seis números.
  • Depois de incluir os dados, clique no botão “Não sou um robô”. Uma mensagem de confirmação será enviada para o e-mail informado. Clique no link para confirmar o cadastro.
  • A partir daí, informe o CPF e a senha para logar no aplicativo.
  • Após o login, o sistema vai fazer algumas perguntas adicionais sobre asua vida profissional. Após respondê-las, leia e aceite as condições de uso.

Informe-se

  • Acesse o app do FGTS para confirmar qual a modalidade de retirada está ativada na sua conta. Se o saque-aniversário estiver ativo sem que você o tenha feito a escolha, procure uma agência da Caixa Econômica Federal.
  • Em caso de movimentação não reconhecida pelo cliente, é possível realizar pedido de contestação em uma das agências da Caixa, apresentando CPF e documento de identificação.

Procedimento na Caixa

  • Segundo a Caixa, em caso de suspeita de fraude na adesão ao saque-aniversário, o trabalhador pode formalizar o pedido de apuração para retornar ao saque-rescisão. O prazo de conclusão da análise é de 15 dias úteis. Se algum saque for feito sem o conhecimento do trabalhador, o caso é analisado em até 60 dias.
  • Se a reclamação for considerada procedente, os valores são restituídos à conta de FGTS, e os dados cadastrais são atualizados, além de a opção pelo saque-aniversário ser cancelada.
  • Se for verificado que há indício de fraude num empréstimo que antecipa o saque-aniversário, o banco cancela a garantia contratada e todas as transferências programadas ano a ano para quitar a dívida. Isso libera os valores que apareciam bloqueados na conta de FGTS.

Se não resolver
Se não houver solução administrativa, deve-se recorrer à Justiça.