A batalha para conseguir um ingresso para o show de Taylor Swift, que se apresentará em São Paulo e no Rio em novembro, trouxe à tona um problema recorrente: o mercado paralelo de ingressos. As reclamações são relativas ao esgotamento sas entradas em poucos minutos, com a imediata oferta dos bilhetes em sites de venda, por preços acima dos praticados oficialmente. Fãs acusam as empresas de reservarem ingressos a cambistas e reclamam de ameaças desses compradores nas filas físicas. O mesmo tipo de queixa ocorreu na venda de entradas para os shows de Coldplay, Harry Styles e RBD.
Em São Paulo, o Ministério Público (MPSP) instaurou um inquérito para apurar “os relatos de eventuais práticas abusivas ao consumidor” adotadas pela T4F, que vende ingressos para os shows de Taylor Swift. O órgão vai investigar se a empresa permitiu o uso de robôs para a aquisição das entradas.
A promotora Maria Stella Milani destacou que o sistema da empresa possibilita “a transferência rápida e barata da titularidade do ingresso adquirido, o que propicia a venda de tickets em canais não oficiais e a preços exorbitantes”. A empresa terá que se explicar em até 15 dias. O MPSP foi questionado sobre outros inquéritos para investigar o esquema de revenda de ingressos, mas não respondeu.
Na Justiça paulista, não há ações civis públicas relacionadas ao assunto, mas são comuns processos ajuizados por pessoas que compraram ingressos de cambistas ou em sites de revendas, como o Viagogo, e descobriram apenas no dia dos eventos que os bilhetes eram clonados ou falsificados. Quando a venda é feita na web, a jurisprudência paulista é no sentido de condenar as plataformas, pois estas precisam garantir a procedência dos produtos, ainda que sejam uma espécie de “marketplace”, em que qualquer um pode vender e comprar ingressos.
Na esfera penal, a venda de ingressos por preços superiores aos valores oficiais só era prevista como crime no Estatuto do Torcedor, substituído pela Lei Geral do Esporte, sancionada na quarta-feira pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo o texto, é crime vender ingressos de evento esportivo por preço superior ao estampado no bilhete, com pena de um a dois anos de prisão, ou facilitar a distribuição de ingressos para essa prática, com pena de dois a quatro anos. Mas isso só vale para eventos esportivos.
No caso de shows e outros eventos, por exemplo, existe um vácuo legal. Geralmente, a prática é enquadrada como estelionato. Segundo promotores ouvidos pelo EXTRA, não há um consenso sobre a gravidade do cambismo. Para alguns juízes e procuradores, o ato é considerado apenas contravenção penal, que é punível muitas vezes com multa ou prisão por um curto período. Para outros, é considerado crime. Também é difícil de provar, já que a pessoa pode alegar mera revenda de ingresso. As ações penais do Ministério Público geralmente são endereçadas àqueles cambistas que são pegos com entradas falsas — a denúncia é por estelionato ou falsificação de documento.
Wesley Marques, de 23 anos, estava acampado em frente ao Allianz Parque desde o dia 11 de junho, aguardando o início das vendas para o show de Taylor Swift que ocorreu no dia seguinte. Mas saiu de mãos vazias:
— A ação da T4F para evitar cambistas não foi eficaz. Informaram que iriam distribuir senha para quem já estivesse acampado aqui às 18h de ontem (último domingo), mas distribuíram às 16h. Muitos não conseguiram estar aqui no horário, porque a gente se reveza nas barracas. Depois, pegaram os nomes das pessoas que estavam nas barracas e fizeram uma lista, mas quando a gente chegou para comprar o ingresso, mesmo com os nomes na lista, não fomos liberados para comprar.
Vítima de fraude reclama
A especialista em vistos consulares Adriana Spiess, de 32 anos, foi prejudicada por venda em mercado paralelo em 2019, quando comprou um ingresso para um show de Sandy & Junior em São Paulo, por um site de revenda de ingressos que já havia usado antes, com sucesso. Mas, ao chegar ao Allianz Parque no dia do evento, descobriu que o bilhete era clonado.
— Comprei com mais de seis meses de antecedência para não ter erro. Ao chegar ao show, a catraca não liberou o ingresso pelo QR Code. Fui direcionada para o balcão de informações, e constataram que meu ingresso já havia sido usado — relembra.
Ela registrou um boletim de ocorrência e conseguiu comprar uma entrada para o dia seguinte, na bilheteria oficial. Mas processou a empresa de venda de bilhetes e conseguiu ser ressarcida um ano depois.
Em nota, a Eventim afirmou que toma medidas para evitar a revenda de ingressos no mercado paralelo. A primeira delas é que, no ato da compra virtual, é necessário realizar um cadastro prévio no site. Além disso, destaca que a aquisição das entradas é limitada e controlada por CPF: “A segunda, por sua vez, é reiterar, via comunicação oficial no site e comunicações recorrentes em outras redes, que os fãs adquiram seus bilhetes, exclusivamente, nos canais oficiais (site e na bilheteria oficial de venda física). Os ingressos nunca devem ser adquiridos em outros sites de vendas ou por meio de contatos realizados por e-mail, WhatsApp, telefone ou canais paralelos”.
Procurada, a T4F não respondeu. O EXTRA também tentou contato com a Viaggo, via escritório Mattos Filho, mas não teve retorno.
Saiba como reduzir o risco
Fila virtual
Na compra on-line de ingressos, é fundamental o comprador fazer “prints” das telas de todas as fases do processo de aquisição: desde a posição em que aparece na fila virtual até a etapa de finalização da transação, incluindo a tela de pagamento.
Fila presencial
Rodrigo Tritapepe, diretor do Procon-SP, recomenda que se faça foto e vídeo que sejam capazes de mostrar em que ponto da fila o consumidor está. Se houver distribuição de senha, fotografe esse número e guarde a imagem. Outra recomendação é pegar contato de pessoas próximas na fila para ter como comprovar sua posição e ter testemunhas.
Sites oficiais
Cassio Coelho, presidente do Procon-RJ, recomenda que se compre os ingressos sempre em sites oficiais. Isso reduz os riscos para o consumidor. Antes de qualquer operação, esteja certo de que está no link correto, verificando o cadeado de segurança do site. Observe também se já há reclamações registradas por outros compradores.
Outras plataformas
É preciso redobrar o cuidado ao comprar em plataformas alternativas na internet. Preços muito abaixo da média do mercado devem sempre acender um sinal de alerta. Valores altos, no entanto, também não garantem a veracidade da operação. Especialistas recomendam fugir de pagamentos feitos por Pix e boleto bancário, pois, se for golpe, não há como recuperar o dinheiro investido.