O GLOBO: Raphaela Ribas e Luciana Casemiro
RIO — Chocolate que nem é chocolate, molho sabor queijo cheddar sem o cheddar, biscoito com recheio sabor de morango sem morango, bebida pronta de Alpino sem o dito cujo… Há muitos outros produtos que parecem, mas não são além dos famosos McPicanha e Whopper Costela, que viralizaram nas redes sociais e acabaram sendo alvo de Ministério da Justiça e Procons por, apesar do nome, não terem os cortes das carnes na composição dos seus hambúrgueres.
A informação pode até estar na embalagem, na maioria das vezes em letras miúdas, e dentro das normas brasileiras. Mas para o consumidor é difícil entender que pode não ter o ingrediente do sabor do produto na sua receita, ainda mais quando aparece em destaque no rótulo, como é caso do Club do molho sabor cheddar, da Polenghi, da bebida pronta Alpino, da Nestlé, ou do biscoito Trakinas sabor morango, da Mondelēz Brasil.
No caso do popular BIS, também da Mondelēz, por exemplo, apesar da informação destacada de que se trata de wafer “sabor” chocolate, é difícil encontrar quem saiba que é um biscoito e não um chocolate. Até porque, é junto dos chocolates que ele pode ser encontrado no mercado.
— Às vezes, diz que tem uma coisa e é só a essência, fala que é suco de uva, mas tem mesmo é corante. A informação deveria ser mais destacada, senão a gente acaba sendo enganado — diz a estudante Tárcia Pereira Abrantes, de 20 anos.
De acordo com o Ministério da Agricultura, não basta informar, as embalagens não podem induzir a erro ou engano.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) diz que a apresentação da imagem, por exemplo, de uma fruta, em produto que não contenha este ingrediente pode contrariar as regras sanitárias. Mas a caracterização das irregularidades, destaca a agência, requer “avaliação do conjunto de informações contidas no rótulo, já que podem estar presentes alertas que permitam ao consumidor entender que a imagem apresentada não remete diretamente à composição do alimento”.
A nutricionista do programa de Alimentação Saudável do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Laís Amaral, ressalta que embora muitos produtos sigam as regras de rotulagem brasileira, em muitos casos, pela ótica do Código de Defesa do Consumidor seriam enquadrados como propaganda enganosa:
— Entendemos que colocar no rótulo a imagem de um ingrediente que não esteja na composição é uma ilegalidade que está levando o consumidor ao erro.
Na avaliação do professor de marketing da Fundação Getulio Vargas (FGV), Ulysses Reis, o consumidor está à frente da legislação e já toma os seus posicionamentos:
—Sob o ponto de vista legal, a empresa pode até estar correta, mas no que tange ao valor da marca é perigoso.
Roberta Ribeiro, coordenadora do Laboratório Municipal de Saúde Pública da Vigilância Sanitária do Rio, orienta o consumidor a ficar atento ao rótulo, especialmente à denominação de venda do produto e à lista de ingredientes, lembrando que o primeiro item é o que tem maior quantidade na composição. A relação segue em ordem decrescente.
Não só o rótulo, mas a forma como o produto está disposto na prateleira do mercado ou classificado no e-commerce ajuda a aumentar a confusão. Por exemplo, lado a lado, é difícil distinguir a lata do leite Ninho da do Ninho que é composto lácteo.
Alice Amigo, coordenadora do Curso de Capacitação Estratégica em Trade Marketing da PUC-Rio, explica que a organização de produtos similares — seja no ponto físico ou nas plataformas on-line — é comum e que não costuma haver má-fé nessa apresentação:
— A proposta é sempre dar opções a quem procura uma categoria de produto reunindo os que estão a ele relacionados. Um produto pode ser encarado como sobremesa, pode estar próximo aos chocolates, mas, se, de fato, é biscoito, não pode deixar de estar na prateleira da categoria originária.
O que dizem as empresas
A Mondelēz Brasil ressalta que a classificação do BIS, de wafer sabor chocolate, é clara. Sobre o Trakinas, diz que o rótulo segue as regras da Anvisa, sendo uma delas o produto ter aroma idêntico ao natural.
A Polenghi pontua que é visível a informação de que Club é um “molho feito com queijo e aroma natural de queijo cheddar”.
Já a Nestlé enfatiza seguir as normas brasileiras em relação à bebida pronta Alpino.
O McDonald’s explica que batizou o McPicanha por causa do sabor do molho, mas, após a polêmica, suspendeu a venda do sanduíche e diz analisar os próximos passos.
Na mesma linha, o Burguer King vai substituir o nome do Whopper Costela por Whopper Paleta Suína, corte de carne usado no hambúrguer que tem aroma de Costela.
Saiba o que pode e o que não pode
O que diz a lei sobre ter um produto no rótulo e não na composição?
Segundo a Anvisa, as normas preveem que o rótulo dos alimentos não pode conter denominações, designações, nomes geográficos, símbolos, figuras, desenhos ou indicações que possibilitem interpretação falsa, erro ou confusão quanto à origem, procedência, natureza, composição ou qualidade do alimento. Ainda não se pode atribuir qualidades ou características nutritivas superiores àquelas que realmente possuem.
Assim, a apresentação da imagem de uma fruta, por exemplo, em produto que não contenha este ingrediente pode contrariar as regras sanitárias. Porém essa apuração depende da avaliação de outros requisitos, como se há alertas na embalagem que evitem a confusão.
Se estiver no rótulo e não na receita é enganoso?
Segundo o Idec, mesmo que a norma não seja clara sobre o uso de imagem em destaque, sem o ingrediente na composição, à luz do Código de Defesa do Consumidor há propaganda enganosa por induzir o consumidor ao erro.
O produto pode ter só aroma?
Para Roberta Ribeiro, da Vigilância Sanitária Municipal do Rio, o alimento pode conter em sua composição tanto com ingredientes e aromas, como também somente aromas, desde que expresso claramente. A Anvisa diz que quando o aroma for artificial, a embalagem deve apresentar a indicação “sabor artificial de” ou “sabor imitação de”, seguida da declaração “aromatizado artificialmente”.
O que observar na embalagem?
O consumidor deve estar atento a informações como: denominação de venda do produto, ou seja, o que é o alimento que ele está comprando, a lista de ingredientes, peso/quantidade, origem, identificação do lote, prazo de validade, método de conservação e preparação.
O que fazer caso me sinta enganado?
Caso o consumidor considere que alguma embalagem leva ao engano pode denunciar à Anvisa, mas também aos Procons, que podem tanto pedir esclarecimentos como tomar providências imediatas, como suspensão de venda dos produtos caso haja indícios de enganosidade.