Falsos repasses de programas de transferência de renda e saques a benefícios sociais, golpes que simulam promoções de grandes empresas varejistas, promessas de ganhos financeiros irreais em troca de pagamentos por Pix. Anúncios fraudulentos com táticas como essas são publicados e exibidos a usuários brasileiros no Facebook e Instagram, redes sociais da Meta.

O alerta é de mapeamento feito pelo NetLab, laboratório de estudos de internet vinculado à Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os casos foram identificados a partir da biblioteca de anúncios da Meta, ferramenta oficial de transparência da big tech, e expõem, para os pesquisadores, fragilidades na moderação de publicidade digital das grandes plataformas.

O recebimento rápido e fácil de dinheiro é o mote de boa parte desses anúncios. Foram encontradas peças que propagam, por exemplo, a possibilidade de sacar “dinheiro guardado” na Previdência Social, no FGTS ou proveniente do Pix. Nesses casos, para receber o repasse, a condição é pagar uma taxa aos golpistas.

Postagens patrocinadas

O NetLab também identificou anúncios que direcionam os usuários a sites falsos de consultas de valores a receber do governo federal. Neles, são solicitados dados sensíveis, como o CPF ou informações do cartão de crédito.


Outra frente são postagens patrocinadas que prometem altos e irreais retornos financeiros desde que o usuário faça um depósito de determinado valor. São exibidas tabelas com repasses correspondentes de cada pagamento. Um depósito de R$ 20 no Pix, por exemplo, daria direito a um retorno de R$ 200. Os anúncios redirecionam para o contato de WhatsApp dos golpistas.

Marcas de bancos, seguradoras e empresas de crédito são indevidamente usadas para a oferta de empréstimos a negativados e autônomos.

O NetLab também localizou uma rede de páginas apócrifas que simulam ser meios oficiais de compra ou parceiros de grandes varejistas como Americanas, Magazine Luiza, Casas Bahia e Submarino. As contas têm poucos ou nenhum seguidor e ofertam produtos como smartphones e aparelhos de TV a preços baixos. O objetivo é levar o usuário a um site que simula páginas oficiais das lojas.

Quando não ofertam produtos, os anúncios prometem cupons de desconto e lançam mão da mesma tática para coletar informações pessoais.

De acordo com os pesquisadores, há alta rotatividade dos perfis, que costumam ser suspensos ou excluídos pelos seus próprios criadores, o que dificulta a rastreabilidade dos responsáveis.
A publicidade on-line personalizada, em que se exibe conteúdos diferentes a cada usuário, associada à falta de transparência, cria um ambiente propício para uma “epidemia” de golpes e fraudes, alerta a diretora do NtLab, Rose Marie Santini:
— Nas redes, o estelionatário consegue selecionar o público-alvo que deseja atingir e segmentar os anúncios para atingir pessoas com perfis mais vulneráveis e suscetíveis às promessas falsas. As plataformas não verificam quem está comprando o anúncio e mantêm o anonimato do anunciante e da página, impedindo a identificação das pessoas por trás dos golpes.

Outra tendência apontada é que as páginas costumam usar indevidamente fotos de celebridades e notícias de veículos de imprensa para dar credibilidade às postagens.

O NetLab encontrou mais de 1,3 mil anúncios nos últimos 15 dias que manipulam conteúdos ou citam empresas de mídia para enganar usuários. São comuns ainda anúncios com falsas ofertas de emprego e cursos com indícios de esquema de pirâmide.

O levantamento apontou como tendências jogos fraudulentos, com promessas de alto retorno financeiro, e páginas que se baseiam em pseudociência para promover produtos com propriedades não comprovadas e incentivar a automedicação.

Regulação em debate

O cenário não é exclusividade do Brasil. Em março, a Federal Trade Commission (FTC), órgão do governo dos Estados Unidos para proteção dos direitos do consumidor, pediu informações de oito plataformas — Meta, Instagram, YouTube, TikTok, Snap, Twitter, Pinterest e Twitch — sobre como examinam e restringem publicidade enganosa.

Em 2022, segundo órgão, consumidores americanos relataram ter perdido mais de US$ 1,2 bilhão em fraudes iniciadas nas mídias sociais, mais do que qualquer outro método de contato.
O levantamento do NetLab se limitou a analisar redes da Meta por ser a única empresa com sistema que permite pesquisa e navegável de transparência de anúncios on-line.
— O maior problema são as outras plataformas, como Twitter, TikTok, Google, sobre as quais não sabemos nada, pois elas não têm repositório de anúncios. Por isso é necessário aprovar urgentemente uma regulação que obrigue as plataformas a manterem um repositório buscável e auditável, para proteger consumidores, marcas e anunciantes legítimos — afirma Rose Marie.
Movimento semelhante já ocorreu na União Europeia. O Digital Services Act (DSA), que regula as plataformas, traz exigências para a divulgação dessas informações.

Especialistas dizem que os usuários das plataformas devem desconfiar de ofertas de prêmios ou valores desproporcionais aos praticados pelo mercado e consultar canais oficiais das empresas.
Outra orientação é não repassar informações por internet ou telefone sem confirmar que se trata de um canal oficial da empresa e não inserir informações pessoais, nem realizar pagamentos, se não tiver certeza de que a página é segura.

Se cair na armadilha, o advogado especialista em Direito Digital Adriano Mendes alerta que é preciso bloquear transações de cartão de crédito e ficar atento a novos golpes:
— Você passa a ser abordado por novos golpes, ou usam seus dados para abrir uma conta corrente.

Tecnologia contra fraude

Em caso de golpe, é importante coletar provas. Entre as orientações da Divisão de Crimes Cibernéticos, da Polícia Civil de São Paulo, que lançou cartilha com recomendações, está salvar o endereço eletrônico da página ou perfil e a conversa com o golpista (print de telas).

Procurada pelo GLOBO para se posicionar sobre os anúncios fraudulentos, a Meta afirmou que não teve acesso ao relatório da NetLab e que não pode fazer comentários específicos a respeito. A plataforma afirma, no entanto, que suas “políticas não permitem atividades fraudulentas” e diz usar “tecnologia para combater atividades suspeitas” e investir “para proteger as pessoas de anúncios enganosos”.

O TikTok explicou que possui um guia que explica como usa os dados para anúncios, em https://bit.ly/3IF611q. Twitter e Google não responderam ao pedido para comentar a crítica de falta de transparência da especialista.

Procurada para falar dos anúncios falsos que usam sua marca, a Americanas, que também responde por Submarino, diz tomar “providências para que conteúdos falsos sejam retirados do ar” e recomenda a clientes que confiram se estão em site, app e redes sociais oficiais das marcas. A Magalu não respondeu à reportagem. A Casas Bahia afirmou que não vai se manifestar pois não teve acesso ao conteúdo do relatório.

Fonte: https://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/noticia/2023/05/de-promocao-imperdivel-a-saque-de-beneficio-anuncios-falsos-se-espalham-nas-plataformas-digitais.ghtml