A sociedade de consumo brasileira enfrenta enormes desafios ao se defrontar com o superendividamento. A Lei nº 14.181/2021 alterou o Código de Defesa do Consumidor apresentando medidas de tratamento e a prevenção do superendividamento, vislumbrando uma mudança da cultura da inadimplência e da exclusão social, para a cultura da negociação das dívidas, do pagamento, e da reinserção do consumidor no ciclo econômico do consumo ativo. O artigo contextualiza o tema, aborda o conceito de consumidor superendividado, e debate a vulnerabilidade agravada situacional deste sujeito, destacando as consequências financeiras, sociais e psicológicas dessa condição, bem como o assédio na concessão de crédito que contribui para o agravamento do problema. São apresentadas reflexões sobre as medidas de proteção ao superendividado, com evidência para a fase conciliatória e preventiva do processo de repactuação de dívidas realizada pelos PROCONS, e o fomento de ações direcionadas à educação financeira do consumidor, com foco no letramento financeiro comportamental para a mitigação desta mazela.

  1. INTRODUÇÃO

O tema do superendividamento do consumidor, especialmente em sua interseção com a hipervulnerabilidade, vem ganhando destaque no debate público brasileiro nas últimas décadas. Vários estudos comprovam o aumento progressivo desse desafio, seus impactos sérios na sociedade e economia, além da urgência em adotar ações efetivas para prevenir e enfrentar esse problema, principalmente no cenário pós-pandemia.

A sociedade de consumo, caracterizada pelo estímulo incessante ao consumo e pela facilitação do acesso ao crédito, às vezes com um clique, contribui para a criação de um ambiente propício ao superendividamento. A falta de conhecimento financeiro, a publicidade excessiva e as práticas abusivas de certas empresas aumentam a fragilidade dos consumidores, tornando-os mais propensos a se endividarem de forma arriscada. Aprofundar o conhecimento sobre a hipervulnerabilidade do consumidor superendividado é fundamental para a construção de políticas públicas e instrumentos jurídicos mais eficazes para sua proteção.

Apesar de extremamente necessários, no Brasil há uma carência de estudos sobre a hipervulnerabilidade do consumidor superendividado. A pesquisa sobre o tema possui relevância social, e pode contribuir para identificar os fatores que suscitam a hipervulnerabilidade de diferentes grupos sociais; apontar as medidas de proteção legal existentes; propor novas ações para prevenir e combater o superendividamento; e promover a educação financeira e o consumo consciente.

Surgem os questionamentos: quais são os fatores que contribuem para a hipervulnerabilidade do consumidor superendividado na sociedade de consumo? Há efetividade nas medidas de proteção legal existentes? Que ações podem ser tomadas para prevenir e combater o superendividamento do consumidor?

O presente artigo busca analisar a hipervulnerabilidade situacional do consumidor superendividado na sociedade de consumo, com foco na proposição de medidas para sua prevenção e combate.  Identificam-se os fatores que contribuem para a hipervulnerabilidade deste consumidor, mapeiam-se as medidas de proteção legal existentes para prevenir e combater o superendividamento. A abordagem é qualitativa após a realização de revisão bibliográfica de literatura multidisciplinar, e análise documental da legislação e jurisprudência sobre o tema.

  1. AFINAL, COMO IDENTIFICAR UM CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO?

Nem sempre uma pessoa endividada e/ou inadimplente enquadra-se no perfil legal de superendividamento. O primeiro passo para identificar um consumidor superendividado é compreender o conceito jurídico desse fenômeno. De acordo com a legislação brasileira, o superendividamento é caracterizado pela incapacidade manifesta do consumidor (pessoa natural) de pagar suas dívidas de consumo, de forma compatível com sua renda e patrimônio disponíveis, ou seja, sem comprometer seu mínimo existencial (Lei nº 14.181/2021).

A análise da relação entre a renda do consumidor e suas dívidas é importante para identificar essa condição. Um dos principais indicadores de superendividamento é o comprometimento excessivo da renda com o pagamento de dívidas.

O art. 54-A, §1º do Código de Defesa do Consumidor determina a convergência de três elementos indissociáveis: incapacidade de pagamento – comprometimento do mínimo existencial – boa-fé do consumidor. Assim, é preciso identificar um cenário de insuficiência da renda mensal para arcar com a totalidade das dívidas de consumo, exigíveis e vincendas; de impossibilidade de garantir o mínimo existencial (entendido como o conjunto de bens e serviços indispensáveis à sobrevivência digna do consumidor e de sua família, como alimentação, moradia, saúde, educação e vestuário); afastando-se as hipóteses de fraude e de má-fé do devedor[2].

Além do comprometimento da renda, importante verificar a presença de dívidas em múltiplos canais, como cartões de crédito, empréstimos, financiamentos e crédito rotativo. A diversificação das fontes de dívida é indicativa de endividamento de risco, que pode ser um estágio anterior ao superendividamento, uma vez que o consumidor pode ter dificuldade em gerenciar múltiplos pagamentos e taxas de juros. Somando-se a isso, quando o consumidor seguidamente atrasa ou não efetua o pagamento de serviços essenciais, como água, energia, gás, e telecomunicações, há um forte indício de que esteja enfrentando graves dificuldades financeiras.

[1] “Cumpre destacar que as normas protetivas previstas nos arts. 54-A a 54-G do CDC não se aplicam (i) se as dívidas do consumidor tiverem sido contraídas mediante fraude ou má-fé;(ii) se forem oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito de não realizar o pagamento; ou (iii) se decorrerem da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor (§ 3º do art. 54-A).” STJ – AREsp: 2267930, Relator: MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Publicação: 01/03/2023

Nos PROCONS, os consumidores com alto grau de endividamento são encaminhados ao atendimento especializado, para uma análise detalhada. Contudo, a identificação precisa do consumidor superendividado nos Núcleos de Atendimento ao Consumidor Superendividado[3] (quando instalados) se mostra complexa e desafiadora no país. É preciso consignar que nem sempre há instrumentos práticos para aferir a real situação financeira do consumidor e para determinar se ele se enquadra na definição legal de superendividamento. Apesar de enorme esforço diário dos atendentes, a carência de recursos multidisciplinares e a infraestrutura deficitária dificultam muito nesta fase administrativa inicial. São prementes o aparelhamento dos Núcleos, a capacitação técnica e especializada dos atendentes, e o acesso a softwares ou aplicativos digitais que auxiliem, otimizem e simplifiquem a identificação da condição de superendividamento. Além disso, infelizmente, é muito comum que o consumidor busque o NAS com a documentação contratual e financeira incompleta. Nestes casos, a análise demorará mais tempo, já que será necessário, na maioria das vezes, solicitar documentos aos fornecedores. Portanto, a verificação se o consumidor se enquadra no perfil de superendividado não é tarefa fácil, precisa ser individualizada e cuidadosa.

A importância do enquadramento correto do superendividado se justifica devido à proteção que Código de Defesa do Consumidor ofereceu à pessoa física de boa-fé, em situação de superendividamento, ou seja, a possibilidade de rediscutir, repactuar e, especialmente, cumprir suas obrigações contratuais e financeiras, através de um plano de pagamento estendido dos débitos, observando o tratamento e a prevenção desta situação.

  1. A VULNERABILIDADE AGRAVADA SITUACIONAL DO SUPERENDIVIDADO

A proteção do consumidor é um dos pilares do sistema consumerista. No entanto, apenas o conceito de vulnerabilidade do consumidor, embora essencial, não é suficiente para apreender toda a complexidade destas relações na sociedade de consumo. Além da vulnerabilidade inerente à qualidade de consumidor expressa no art.4º, I do CDC, existe uma categoria particularmente sensível: o superendividado.

A vulnerabilidade refere-se à desigualdade estrutural entre fornecedor e consumidor, resultante da disparidade de conhecimento e informação (assimetria informacional) e poder técnico-econômico. Essa vulnerabilidade[4] se manifesta em diversos momentos, em todas as fases da jornada do consumo.  A legislação consumerista reconhece a necessidade de proteger o consumidor em face de um sistema desigual, impondo obrigações aos fornecedores e conferindo uma proteção aos consumidores (Miragem, 2023).

[1] Os NAS são unidades especializadas para atendimento e assistência aos consumidores superendividados, e em sua grande maioria, estão instalados e aparelhados nos PROCONS.

Entretanto, a vulnerabilidade do consumidor não é uniforme ou linear. Existem grupos que enfrentam desafios adicionais que afetam diretamente a dignidade da pessoa humana, como os superendividados. O superendividamento é um fenômeno complexo, resultante de fatores econômicos, sociais e individuais[5]. O superendividado enfrenta as dificuldades típicas do consumidor vulnerável, mas também está sobrecarregado por elevadíssimas dívidas e compromissos financeiros que comprometem sua subsistência.

Analisar a hipervulnerabilidade do superendividado exige uma perspectiva diferenciada, incluindo as lentes da economia e da psicologia, pois o simples exame fático- jurídico isolado é falho. John Gathergood (2012) cita que pesquisas no campo da psicologia financeira indicam que aqueles consumidores que apresentam problemas de autocontrole acabam utilizando mais produtos de crédito com acesso rápido, mas de alto custo, como cartões de loja, cartões de crédito, e empréstimos. Enquanto a legislação de proteção do consumidor oferece uma rede de segurança ao vulnerável, muitas vezes ela se revela insuficiente diante das graves consequências do superendividamento, apesar dos avanços trazidos pela Lei nº 14.181/21.

O superendividamento seguramente agrava a vulnerabilidade do consumidor em diversos aspectos: há uma espiral de dívidas da qual é difícil sair em face de sua renda afetada; a impossibilidade de arcar com os compromissos financeiros sem comprometer o mínimo existencial gera insegurança, estresse e ansiedade, impactando negativamente a saúde mental e física; a falta de conhecimento sobre seus direitos fragiliza ainda mais.

A complexidade atual das relações de consumo, marcada pelo consumo inconsequente realizado na modalidade crédito[6], aliado à ruína financeira do superendividado, torna-o especialmente suscetível às graves repercussões microeconômicas e às práticas abusivas, como cobranças indevidas, juros exorbitantes, golpes e assédio por parte de credores. Por óbvio, quando o consumidor já se encontra com seu mínimo existencial comprometido, a sua atuação segura no mercado de consumo é diretamente impactada.

[1] A vulnerabilidade pode ser técnica, jurídica, fática ou socioeconômica. Doutrina expoente indica novo tipo de vulnerabilidade na era digital: algorítmica, relacionada à capacidade limitada do consumidor em compreender e controlar as decisões automatizadas realizadas por algoritmos em processos de tomada de decisão relacionados ao consumo. Nas relações digitais, há falta de transparência dos algoritmos e nos critérios utilizados nas escolhas realizadas. Muitas vezes, os consumidores não têm acesso às informações necessárias para entender como as decisões são tomadas e quais os impactos dessas em suas vidas. Isso pode resultar em discriminação algorítmica e em práticas comerciais abusivas.

[1] As causas são diversas e inter-relacionadas. Dentre as principais, e mais recorrentes, citam-se: instabilidade econômica, crises financeiras, desemprego, morte na família, doenças graves, divórcio, ausência de planejamento financeiro, gestão precária do orçamento doméstico, padrão de consumo superior à renda, oferta extremamente facilitada de crédito.

[1] De acordo com os indicadores do Banco Central, divulgados em novembro de 2023, desde 2021, aproximadamente vinte milhões de brasileiros contrataram crédito, provenientes do aumento da bancarização na pandemia, perfazendo o total de 106,2 milhões de consumidores com ao menos uma operação de crédito ativa. A instituição revelou que em março de 2023, havia 15,1 milhões de endividados de risco no Brasil, 14,2% do total da população tomadora de crédito dentro do Sistema Financeiro Nacional. Os endividados de risco estão mais concentrados nas regiões Norte e Nordeste, na população feminina, no público de maior idade e de menor renda

A inadimplência daquele que se encontra na situação de superendividamento impacta diretamente nas decisões de consumo, poupança e investimento do consumidor. Neste momento, ele destina praticamente a totalidade da sua renda para o pagamento de alguma dívida (subsistindo tantas outras), o que necessariamente reduzirá sua capacidade de consumir outros bens e serviços. Muito comum que este consumidor busque mais crédito, para satisfazer suas necessidades básicas, elevando cada vez mais a carga de seu endividamento de risco.

Certamente o não pagamento das dívidas marca o histórico financeiro do consumidor (através de uma pontuação, “score”, avaliação), tornando-se indicativo para restrição ou recusa à concessão de outras linhas de crédito, e/ou conduzindo seu acesso somente àquelas com taxas de juros altíssimas. O superendividamento também impossibilita que as famílias poupem e invistam seus recursos em reservas de emergência e em oportunidades de crescimento, já que este consumidor comprometeu seu mínimo existencial. Consequentemente, tal cenário contribui para uma nefasta instabilidade financeira, e para a perpetuação do endividamento crônico do consumidor.

Além dos aspectos financeiros, o superendividamento gera outras consequências maléficas, culminando na exclusão social do consumidor. A asfixia financeira impede o regular acesso a produtos e serviços básicos, como alimentação, moradia, saúde e educação, elementos essenciais para uma participação social ativa.

O consumidor que se encontra em situação de superendividado é constantemente estigmatizado como irresponsável e desonesto, e por vezes sofre discriminação na sua comunidade. É extremamente importante asseverar que apontar o consumidor superendividado sob a chamada negativa destes adjetivos é uma simplificação injusta e inadequada da complexidade da condição, que ignora as diversas causas para o problema.

Portanto, faz-se necessária uma análise direcionada à condição de vulnerabilidade agravada do consumidor superendividado, carecendo de medidas protetivas assertivas no tratamento e na prevenção desta condição. A aplicação da proteção especial deve ser considerada no desenho e na implementação de políticas públicas, de modo a tornar efetivos os instrumentos legais advindos das alterações do Código de Defesa do Consumidor.

Importante citar que o Banco Central nos seus estudos utiliza a nomenclatura endividamento de risco. Enquadra nesta qualidade “o tomador de crédito que atende simultaneamente a dois ou mais dos critérios relacionados a seguir: inadimplência, comprometimento da renda mensal com o pagamento de dívidas acima de 50%, exposição simultânea a cheque especial, crédito pessoal sem consignação e crédito rotativo, e renda disponível mensal (após o pagamento de dívidas) abaixo da linha de pobreza.”  BANCO CENTRAL. Banco Central atualiza números sobre o endividamento de risco. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/752/noticia, acesso em 12 abr. 2024.

  1. É PRECISO FALAR SOBRE O ASSÉDIO E A CONCESSÃO IRRESPONSÁVEL DO CRÉDITO

Inicialmente, cabe desmistificar a figura do crédito financeiro, um instrumento que permite pessoas físicas ou jurídicas obterem recursos de terceiros, como bancos, financeiras, cooperativas de crédito, emissoras de cartões, lojas, para o consumo de bens e serviços, e propicia o fomento à dinâmica econômica. O crédito pode satisfazer os desejos individuais de consumo, permitir o acesso a produtos e serviços, e estimular a demanda agregada na economia, impulsionando a produção e o emprego. As principais modalidades disponíveis aos consumidores são empréstimo, cartão de crédito, e financiamento.

A problemática se revela no assédio ao consumidor, na concessão irresponsável de crédito, e no uso excessivo do crédito. Mônica Di Stasi (2024) pontua que a oferta do crédito “se tornou acessível a um sem-número de pessoas, que por vezes pode dele dispor, independentemente de necessidade, preparo ou mesmo condições de cumprimento das obrigações assumidas.”

Em um contexto de hipervulnerabilidade do superendividado, importante mencionar Gilles Lipovetsky (2007). O filósofo francês apresenta uma crítica do papel do crédito na sociedade do hiperconsumo, especialmente no contexto do consumismo desenfreado. Expõe que o crédito contribui para o aumento do consumo ao permitir o acesso imediato a produtos e serviços, impulsionando a busca incessante por novas experiências e satisfações. Na sociedade voltada ao consumo, verifica-se a ilusão da felicidade e da realização pessoal vinculada à posse material.  E por consequência, a facilidade de acesso a este crédito, muitas vezes escondendo os reais custos e juros envolvidos, pode levar à dívida, e causar insegurança financeira, estresse, frustração e sofrimento.  Esse cenário influencia a capacidade racional do consumidor de fazer escolhas responsáveis (Azevedo e Andreazza, 2021).

Nesta conjuntura, na sociedade de consumo, verificou-se o aumento progressivo do assédio ao consumidor (especialmente ao idoso) em oferta de crédito irresponsável. Materializa-se: i) na prática abusiva de pressionar ou induzir o consumidor a contratar um produto financeiro, desrespeitando seus direitos e sua capacidade intencional de tomar decisões conscientes e informadas, ii) em atribuir ao consumidor empréstimos ou cartões de crédito, sem a sua solicitação e anuência; iii) em oferecer produtos financeiros sem a devida avaliação da capacidade de pagamento do consumidor. Todas estas situações de assédio apresentam grande potencial de levar o consumidor ao superendividamento.

Muito comum encontrar reclamações de consumidores que receberam massivamente marketing digital direcionado (mensagens instantâneas, SMS) ou constantes ofertas por telefone de empréstimo consignado ou de cartão consignado[7], com o desconto direto na folha de pagamento ou benefício previdenciário. Tais direcionamentos ocorrem fundamentados em dados incompletos, ausência de explicação dos termos contratuais e taxas de juros, omissão de informações essenciais, abuso de confiança, exploração da vulnerabilidade, e com técnicas persuasivas de coação para contratação rápida e por impulso, sem analisar os termos do negócio jurídico, em flagrante violação à regra disposta no art. 54-D, do CDC.

E ainda há outras fraudes, como a contratação de empréstimo consignado, com o desconto no contracheque ou benefício previdenciário, sem o consentimento do consumidor, ou seja, sem a solicitação expressa do produto financeiro[8]. Esta conduta foi uma das mais reclamadas na plataforma Consumidor.gov.br[9] em 2023, segundo dados divulgados em março de 2024, pela Secretaria Nacional do Consumidor – SENACON, no Boletim Consumidor.gov.br[10]. Em uma simples busca pelas expressões “empréstimos consignados não contratados pelo autor” na base de dados do STF, STJ, TJs, e TRF, em 2023, foram encontrados mais de 10 mil registros de julgados e acórdãos acerca deste fato.

Acerca do tema, o Código de Defesa do Consumidor dispõe expressamente que é direito básico do consumidor a garantia de práticas de crédito responsável, a teor do art. 6º, XI (incluído pela Lei nº 14.181/2021). Há, portanto, um dever legal para os fornecedores. E caso descumpram, respondem de modo objetivo pela conduta. O inciso III, do art. 54-D, do CDC, impõe que as instituições deverão avaliar, de forma responsável, as condições de crédito do consumidor.

[1] Em relação ao cartão de crédito consignado, o Banco Central informa: “Funciona como um cartão de crédito comum e é usado para o pagamento de produtos e de serviços no comércio. A diferença é que, no cartão de crédito consignado, o valor da fatura pode ser descontado, total ou parcialmente, automaticamente na sua folha de pagamento, limitado ao valor da margem consignável.” BANCO CENTRAL. Empréstimos Consignados. Disponível em https://www.bcb.gov.br/meubc/faqs/p/o-que-e-cartao-de-credito-consignado. Acesso em 14 abr. 2024. Entretanto, há que se ponderar a falta de compreensão acerca dos produtos financeiros ofertados aos consumidores. Infelizmente, é corriqueiro que o consumidor (especialmente o hipervulnerável) contrate o cartão consignado imaginando estar contratando um empréstimo consignado, após ter sido induzido ao erro. Caso a instituição financeira desconte parcialmente o valor da fatura na folha de pagamento ou do benefício previdenciário, e não haja o pagamento da dívida restante, o consumidor arcará com a cobrança dos altíssimos juros do crédito rotativo do cartão.

[1] O GLOBO. Empréstimo consignado: bancos concedem crédito que o cliente sequer pediu. 13/08/2023. Disponível em https://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/noticia/2023/08/13/emprestimo-consignado-bancos-concedem-credito-que-o-cliente-sequer-pediu.ghtml . Acesso em 14 abr. 2024.

JURÍDICO CERTO. MPF processa Banco C6 e INSS por possíveis fraudes em empréstimo consignado. 06/02/2024. Disponível em: https://juridicocerto.com/p/davidviniciusadv/artigos/mpf-processa-banco-c6-e-inss-por-possiveis-fraudes-em-emprestimo-consignado-6733 .

[1] A plataforma Consumidor.gov.br é um serviço público e gratuito que permite a comunicação direta entre consumidores e empresas cadastradas voluntariamente (em abril de 2024 eram 1419 fornecedores), para a solução de conflitos de consumo, via internet. Atualmente, 78% das reclamações registradas na plataforma são solucionadas pelas empresas, que respondem às demandas dos consumidores em um prazo médio de 6 dias.

[1] SENACON. MJSP. Boletim Consumidor.gov.br 2023. Disponível em https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/11.03.2024PDFBoletimConsumidor.gov.br2023_final_compressed3.pdf . Acesso em 13.abr.2024. Acesso em 14 abr. 2024

O Banco Central editou a Resolução BCB nº 365/2023, buscando facilitar o entendimento das informações das faturas de cartão de crédito e incentivar a adoção de práticas de crédito responsável, in verbis:

“Art. 10.  A concessão de limites de crédito associado a conta de pagamento pós-paga deve, em relação aos titulares das contas, ser compatível com, no mínimo:

I – o perfil de risco;

II – a qualificação, incluindo a sua capacidade financeira, nos termos da regulamentação vigente que disciplina os procedimentos destinados a conhecer os clientes;

III – a existência de vulnerabilidades associadas; e

IV – demais produtos e serviços e operações de crédito contratados pelo titular, inclusive em outras instituições, no que couber.”

Renata Terra e Eduardo Ferreira (2022) lecionam sobre a concessão de crédito irresponsável:

“Quando, com base nos elementos de que dispõe (sistemas de cadastro, de averiguação de renda, de averiguação de capacidade de pagamento, entre outros), a instituição financeira ou equiparada aceita disponibilizar valores para o tomador de crédito que não tem condições de pagar as parcelas da contratação sem comprometer sua subsistência ou a saúde financeira do seu negócio.”

Desta feita, quando uma instituição financeira, ou equiparada, utiliza ostensiva publicidade comercial anunciando sua oferta de “crédito para negativado, rápido e na hora”, há nesta conduta, altíssimo risco assumido. As entidades de proteção e defesa do consumidor precisam estar atentas para este tipo de publicidade e conduta dos fornecedores, avaliando em cada caso se as normas protetivas do CDC estão sendo observadas.

  1. REFLEXÕES SOBRE AS MEDIDAS DE PROTEÇÃO AO SUPERENDIVIDADO

A Lei nº 14.181/2021 estabeleceu mecanismos para prevenir e combater o superendividamento, e modificou o Código de Defesa do Consumidor pontualmente nos artigos 4º (inserindo os princípios ao fomento de ações direcionadas à educação financeira e ambiental dos consumidores; e de prevenção e tratamento do superendividamento para evitar a exclusão social do consumidor); 6º (indicando que são direitos básicos do consumidor a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento; e a preservação do mínimo existencial, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito), e 51 (dispondo que é cláusula abusiva estabelecer prazos de carência em caso de impontualidade das prestações mensais ou impedir o restabelecimento integral dos direitos do consumidor e de seus meios de pagamento a partir da purgação da mora ou do acordo com os credores). Além disso, instituiu dois capítulos: no Título I – o Capítulo VI-A – Da prevenção e tratamento do superendividamento; e no Título III – o Capítulo V – Da conciliação no superendividamento.

É possível extrair destas atualizações os seguintes vetores consumeristas que devem nortear o mercado de consumo: a ratificação da dimensão protetiva constitucional do CDC; a prevenção e o tratamento do superendividamento; a preservação do mínimo existencial; o princípio do crédito responsável; a necessidade de fomento às ações de educação financeira; o sistema binário de tratamento do superendividamento (extrajudicial e judicial), a resolução administrativa dos conflitos de consumo, e a reintegração social do devedor.

Dentre as medidas, destaca-se a fase conciliatória e preventiva do processo de repactuação de dívidas realizada pelos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, como os PROCONS, buscando-se a negociação extrajudicial e a conciliação administrativa, entre o consumidor superendividado e seus credores. Esta fase realizada com sucesso é tendente a reduzir quantitativamente as ações judiciais voltadas à repactuação de dívidas do superendividado, além de promover a cultura de resolução extrajudicial das demandas consumeristas (sem a necessidade de custas processuais judiciais). É bastante positiva a operacionalização da fase preventiva pelos PROCONS, entidades que possuem tradicionalmente expertise em conciliações e renegociação de dívidas consumeristas. Obviamente esta operação demanda mais tempo de atendimento que uma negociação com um fornecedor apenas, para exemplificar, pela nova sistemática, o art. 104-C, §1º do CDC, determina a realização de audiência global de conciliação com todos os credores, com a elaboração de plano de pagamento. Entretanto, ainda nestes casos, a espera pela realização da audiência conciliatória global demora menos tempo que no Poder Judiciário. Desafio hercúleo é conseguir que todos os credores compareçam à audiência de conciliação, e negociem acordos realizáveis. É extremamente importante nesta fase a participação ativa dos credores com vistas à construção de plano de pagamento factível, com redução de ruídos cognitivos e assimetrias informacionais, para a audiência global não ser esvaziada. Os representantes que participam da conciliação extrajudicial imbuídos de sentimentos litigiosos, sem autonomia de negociação, ou ainda, afastados da resolução pacífica do conflito, fogem da principiologia do CDC. E, o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor aguarda a implementação de mais Núcleos de Atendimento ao Consumidor Superendividado (NAS), e o aparelhamento destes com recursos materiais e humanos, notadamente em relação aos atendimentos multidisciplinares, para viabilidade prática e efetiva da fase extrajudicial de conciliação.

Outra medida a ser ponderada é o fomento de ações direcionadas à educação financeira do consumidor. Sob a perspectiva da tríade prevenção – proteção – tratamento ao superendividamento, no Brasil, é preciso ter ações voltadas inicialmente ao letramento financeiro. Métrica desenvolvida pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE)[11], o letramento financeiro pode ser conceituado como “o desenvolvimento de consciência, conhecimentos, habilidades, atitudes e comportamentos necessários para a tomada de decisões financeiras conscientes, em prol do bem-estar financeiro de um indivíduo.”[12]

Segundo o mais recente Relatório de letramento financeiro[13], divulgado pelo Banco Central, em novembro de 2023, o nível de letramento financeiro médio do brasileiro é de 59,6, sendo que 75% dos entrevistados pontuam até, no máximo, 70,0 – considerando que a escala varia de 0 a 100. As maiores pontuações foram dos homens (média de 61,8), jovens de 16 a 24 anos (média de 64,5) e brasileiros com renda familiar mensal acima de cinco salários-mínimos (média de 64,3), com maior escolaridade, e que possuem diversos produtos e serviços financeiros contratados, como poupança, seguro e crédito. No Relatório, outro dado chama a atenção: a baixa média na escala de “bem-estar financeiro do brasileiro[14]” – 45,7, na escala de 0 a 100. Segundo a pesquisa, “44,8% dos respondentes afirmam que nunca ou raramente sobra dinheiro no final do mês; 48,6% estão apenas se virando financeiramente; e 36% estão preocupados que o dinheiro não vai durar.” A maior parte dos respondentes também concorda com a afirmativa de que a sua situação financeira limita sua capacidade realizar ações que são importantes para si, indicando um sentimento de incapacidade frente as suas próprias finanças.

Obviamente as pesquisas são retratos da necessidade não somente de educação financeira comportamental (com abordagem também no comportamento[15]), mas de políticas públicas de letramento financeiro para os consumidores brasileiros, especialmente àqueles que estão superendividados. Assim, será possível atingir melhores índices de habilidade financeira (capacidade de tomar decisões e entender informações importantes na vida financeiras), comportamento financeiro (disciplina e controle, cumprir metas, não gastar excessivamente, saber poupar), segurança financeira (cumprir obrigações financeiras), melhorando a relação de consumo na prática.

[1] O Brasil aderiu em 2021 à Recomendação OCDE/LEGAL/0453, que dispõe sobre a proteção do consumidor no domínio do Crédito. Em síntese, além de incentivar a promoção da educação e conscientização financeira, e  a conduta empresarial responsável na oferta e concessão de crédito, a Recomendação indica que os países aderentes adotem medidas com o objetivo de garantir tratamento equitativo e justo aos consumidores, proteção de seus dados pessoais, e informações adequadas no fornecimento de crédito.

[1] BANCO CENTRAL. BC aplica pesquisa da OCDE sobre conhecimentos e hábitos financeiros dos brasileiros. 02/02/2023. Disponível em https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/662/noticia . Acesso em 14 abr. 2024.

[1] Para a elaboração do Relatório, foi aplicada uma pesquisa quantitativa estruturada, elaborada a partir de uma adaptação da metodologia Toolkit OCDE/INFE para o contexto nacional. Nesta pesquisa, o letramento foi calculado considerando três dimensões: comportamento financeiro, atitude (ou postura) ao fazer escolhas financeiras e conhecimento sobre finanças. É possível consultar o documento no site https://www.bcb.gov.br/content/cidadaniafinanceira/documentos_cidadania/letramento/relatorio-de-letramento-financeiro.pdf . Acesso em 14 abr. 2024.

[1]  Bem-estar financeiro é estado em que o indivíduo consegue cumprir com suas necessidades financeiras, lidar com choques financeiros e, ao mesmo tempo, ser capaz de se planejar e de conquistar sonhos.

[1] Deve-se refletir que as decisões financeiras dos consumidores são influenciadas não apenas por fatores econômicos, mas também por aspectos psicológicos e sociais

É necessário que aludido letramento financeiro além de ensinar a elaboração de orçamentos, o controle de gastos, o planejamento financeiro e o investimento, também considere os comportamentos irracionais dos consumidores influenciados pelos vieses comportamentais (na maioria das vezes inconscientes, como inércia e procrastinação, otimismo irreal, excesso de confiança, problemas de autocontrole, aversão à perda, e efeito manada). Ademais, o letramento deve estar no currículo escolar desde os estágios iniciais da educação, garantindo que os alunos adquiram as habilidades necessárias para uma vida financeira saudável. Estas medidas contribuirão para que estes consumidores letrados financeiramente estejam menos propensos ao superendividamento.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O superendividamento do consumidor representa um desafio significativo na sociedade contemporânea, especialmente em um contexto de cultura do consumo e facilidade de acesso ao crédito. É uma situação que dificulta a atuação ativa do superendividado no mercado, especialmente por conta do comprometimento de seu mínimo existencial. Em muitos casos, o consumidor superendividado sofre exclusão social e é estigmatizado como irresponsável, oportunista.

A identificação precisa do consumidor na condição de superendividamento deve ser realizada individualmente, com cuidado e sensibilidade, através de abordagem multidisciplinar além da mera análise documental. Os Núcleos de Atendimento ao Consumidor Superendividado (NAS) realizam administrativamente este trabalho complexo, apesar da carência de recursos multidisciplinares e da infraestrutura deficitária.

É necessário discutir a hipervulnerabilidade do consumidor superendividado. O superendividamento é um fenômeno resultante de fatores econômicos, individuais e sociais. O consumidor quando se enquadra nesta condição, suporta frequentemente a restrição de crédito, a negativação do nome, dificuldade de inserção social, e enorme espiral de endividamento e inadimplência, restando comprometidos seu mínimo existencial e a sua subsistência, fatores que agravam profundamente sua vulnerabilidade. Infelizmente, é comum que o consumidor superendividado se encontre fragilizado psicologicamente e em uma posição de subordinação em relação às instituições financeiras e seus credores, dificultando sua capacidade de tomada de decisões. Este consumidor precisa de medidas de proteção específicas, robustas e efetivas para mitigar os efeitos nefastos do superendividamento.

O crédito financeiro é importante instrumento econômico que permite ao consumidor acesso à produtos e serviços. Entretanto, constranger, intimidar ou pressionar o consumidor a contratar crédito, impor empréstimo ou cartão consignado não solicitado, ou ainda, conceder crédito sem a devida avaliação da renda, dos gastos e do histórico de risco do devedor, ignorando sua real capacidade de arcar com os custos do empréstimo (oferta irresponsável do crédito), são práticas abusivas, com potencial a levar o consumidor à situação de superendividamento. Estas condutas devem ser denunciadas pelas vítimas do assédio às instituições de defesa do consumidor.

Importante medida disposta pela Lei nº 14.871/2021 foi instituir a fase conciliatória e preventiva do processo de repactuação de dívidas realizada pelos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, especialmente pelos PROCONS. A negociação extrajudicial das dívidas evita a necessidade de ação judicial, o que contribui para a celeridade na resolução dos conflitos. Contudo, a efetividade da fase conciliatória depende da participação efetiva dos credores. Na prática, a adesão e participação ativa de todos os credores à audiência global de conciliação é um desafio, porque ainda há muitos fornecedores que não entendem os benefícios da repactuação extrajudicial realizada no Procon.

Outra medida analisada refere-se ao fomento de ações direcionadas à educação financeira do consumidor. A superação do superendividamento exige medidas que ultrapassam a esfera jurídica, e o estímulo às ações direcionadas ao letramento financeiro comportamental do consumidor superendividado surge como uma importante estratégia. É importante ponderar que o letramento financeiro comportamental extrapola o mero conhecimento técnico advindo da educação financeira clássica, porque reconhece que as decisões financeiras são tomadas também por influência de emoções, hábitos e crenças. Esta abordagem multidisciplinar permite o desenvolvimento de ações de letramento financeiro comportamental mais abrangentes e efetivas para a prevenção e o tratamento do superendividamento.

  1. REFERÊNCIAS

AMARAL, Augusto Jobim do; SCHMIDT NETO, André Perin. Governar pela dívida: o crédito na era dos algoritmos.  Revista de Direito do Consumidor, v. 143. São Paulo: Ed. RT, 2022.

AZEVEDO, Fernando Costa de; ANDREAZZA, Cauê Molina. A vulnerabilidade comportamental do consumidor. Revista de Direito do Consumidor. vol. 138. ano 30. p. 109-130. São Paulo: Ed. RT, nov./dez. 2021.

BANCO CENTRAL. Série cidadania financeira: estudos sobre educação, proteção e inclusão / Banco Central do Brasil – Brasília: Banco Central do Brasil, 2023.

BANCO CENTRAL. Mensuração do letramento e da inclusão financeira.   Disponível em https://www.bcb.gov.br/content/cidadaniafinanceira/documentos_cidadania/letramento/relatorio-de-letramento-financeiro.pdf . Acesso em 14 abr. 2024.

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em 10 abr. 2024.

BRASIL. Lei nº 14.181, de 1° julho de 2021. Altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14181.htm . Acesso em 10 abr. 2024.

CARVALHO, Diógenes Faria de; OLIVEIRA, Amanda Flávio de. Vulnerabilidade comportamental do consumidor: porque é preciso proteger a pessoa superendividada. Revista de Direito do Consumidor: RDC, São Paulo, v. 25, n. 104, p. 181-201, mar./abr. 2016.

DI STASI, Mônica. Crédito digital e superendividamento do consumidor: uma análise da evolução do crédito dos instrumentos de proteção ao consumidor, em busca do equilíbrio de mercado e de seus agentes. São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2024.

FERREIRA, M., Almeida, F., Soro, J., Herter, M., Pinto, D., & Silva, C., 2021. On the Relation Between Over-Indebtedness and Well-Being: An Analysis of the Mechanisms Influencing Health, Sleep, Life Satisfaction, and Emotional Well-Being. Frontiers in Psychology, v.12. Disponível em: https://www.frontiersin.org/journals/psychology/articles/10.3389/fpsyg.2021.591875/full . Acesso em 12 abr. 2024.

FERREIRA, Vitor Hugo do Amaral. Tutela da efetividade no direito do consumidor brasileiro: a tríade prevenção-proteção-tratamento revelada nas relações de crédito e consumo digital. São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2022.

GATHERGOOD, John. Self-control, financial literacy and consumer over-indebtedness, Journal of Economic Psychology, Volume 33, Issue 3, 2012. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0167487011001735?via%3Dihub . Acesso em 8 abr. 2024.

LIPOVETSKY, Gilles.  A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

MARQUES, Cláudia Lima. Direitos básicos do consumidor na sociedade pós-moderna de serviços: o aparecimento de um sujeito novo e a realização de seus direitos. Revista de Direito do Consumidor. v. 35. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

MARQUES, Claudia Lima. Sugestões para uma Lei sobre o tratamento do superendividamento de pessoas físicas em contratos de crédito ao consumo: proposições com base em pesquisa empírica de 100 casos no Rio Grande do Sul. Revista de Direito do Consumidor, v. 55. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

MARQUES, Claudia Lima; LIMA, Clarissa Costa de. Notas sobre as Conclusões do Relatório do Banco Mundial sobre o tratamento do superendividamento e insolvência da pessoa física. Revista de Direito do Consumidor, v. 89. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

MARQUES, Claudia Lima (Coord.) [et al]. Superendividamento dos consumidores: aspectos materiais e processuais. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2024.

MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023.

OCDE (2018). OECD/INFE Toolkit for Measuring Financial Literacy and Financial Inclusion. Disponível em https://www.oecd.org/financial/education/2018-oecd-infe-toolkit-for-measuring-financial-literacy-and-financial-inclusion-portuguese.pdf . Acesso em 14 abr. 2024.

OCDE (2020). Recomendação do Conselho de Alfabetização Financeira, OECD/LEGAL/0461. OECD/LEGAL/0453. Disponível em https://www.oecd.org/financial/education/oecd-recommendation-on-financial-literacy-portuguese.pdf . Acesso em 14 abr. 2024.

OLIVEIRA, Amanda Flávio de; FERREIRA, Felipe Moreira dos Santos. Análise econômica do direito do consumidor em períodos de recessão: uma abordagem a partir da economia comportamental. Revista de Direito do Consumidor. v. 81. São Paulo: Revista dos Tribunais, jan./mar. 2012.

OLIVEIRA, Felipe Guimarães de; REYMÃO, Ana Elizabeth Neirão. O superendividamento do consumidor no Brasil: um debate necessário entre o Direito e a Economia no século XXI. Revista de Direito, Globalização e Responsabilidade nas Relações de Consumo. Brasília, v. 2, p. 167-187, jan./jun. 2016.

PINHO DE ARAÚJO, Adailson; BEZERRA JÚNIOR, José Albenes. Superendividamento e acesso à justiça: uma análise sob a perspectiva das políticas de consensualidade. Revista dos Estudantes de Direito da Universidade de Brasília, v. 18, n. 2, p. 50–73, 2023. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/redunb/article/view/45027 . Acesso em 14 abr. 2024.

SENACON. MJSP. Boletim Consumidor.gov.br 2023. Disponível em https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/11.03.2024PDFBoletimConsumidor.gov.br2023_final_compressed3.pdf . Acesso em 13 abr.2024.

SENACON. MJSP. NOTA TÉCNICA Nº 11/2023/CGEMM/DPDC/SENACON/MJ. Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/seus-direitos/consumidor/notas-tecnicas/nota-tecnica-no-11-2023-cgemm-dpdc-senacon-mj.pdf . Acesso em 10 abr.2024.

SIERADZKI, Larissa Maria; MOREIRA, Vlademir Vilanova. Superendividamento: análise acerca da hipervulnerabilidade do consumidor idoso. Academia de Direito, v. 3, p. 73–97, 2021. Disponível em: https://www.periodicos.unc.br/index.php/acaddir/article/view/3129 . Acesso em: 9 abr. 2024.

TERRA, Renata de Alcântara e Silva; FERREIRA, Eduardo Adolfo. Superendividamento e crédito responsável: da inobservância dos deveres de compliance bancário e a promulgação da Lei 14.181/2021. Revista Fapad, Curitiba, v. 2, p. 01-12, 2022.

[1] Advogada. Assessora Jurídica da Presidência do PROCON-RJ e Analista de Proteção e Defesa do Consumidor. Mestranda em Propriedade Intelectual e Inovação no INPI. Especialista em Direito Constitucional, em Direito do Consumidor na Era Digital, e em Direito Regulatório. Conselheira do CNDC. Membro Titular do CDUST, na ANATEL.

[2] “Cumpre destacar que as normas protetivas previstas nos arts. 54-A a 54-G do CDC não se aplicam (i) se as dívidas do consumidor tiverem sido contraídas mediante fraude ou má-fé;(ii) se forem oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito de não realizar o pagamento; ou (iii) se decorrerem da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor (§ 3º do art. 54-A).” STJ – AREsp: 2267930, Relator: MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Publicação: 01/03/2023.

[3] Os NAS são unidades especializadas para atendimento e assistência aos consumidores superendividados, e em sua grande maioria, estão instalados e aparelhados nos PROCONS.

[4] A vulnerabilidade pode ser técnica, jurídica, fática ou socioeconômica. Doutrina expoente indica novo tipo de vulnerabilidade na era digital: algorítmica, relacionada à capacidade limitada do consumidor em compreender e controlar as decisões automatizadas realizadas por algoritmos em processos de tomada de decisão relacionados ao consumo. Nas relações digitais, há falta de transparência dos algoritmos e nos critérios utilizados nas escolhas realizadas. Muitas vezes, os consumidores não têm acesso às informações necessárias para entender como as decisões são tomadas e quais os impactos dessas em suas vidas. Isso pode resultar em discriminação algorítmica e em práticas comerciais abusivas.

[5] As causas são diversas e inter-relacionadas. Dentre as principais, e mais recorrentes, citam-se: instabilidade econômica, crises financeiras, desemprego, morte na família, doenças graves, divórcio, ausência de planejamento financeiro, gestão precária do orçamento doméstico, padrão de consumo superior à renda, oferta extremamente facilitada de crédito.

[6] De acordo com os indicadores do Banco Central, divulgados em novembro de 2023, desde 2021, aproximadamente vinte milhões de brasileiros contrataram crédito, provenientes do aumento da bancarização na pandemia, perfazendo o total de 106,2 milhões de consumidores com ao menos uma operação de crédito ativa. A instituição revelou que em março de 2023, havia 15,1 milhões de endividados de risco no Brasil, 14,2% do total da população tomadora de crédito dentro do Sistema Financeiro Nacional. Os endividados de risco estão mais concentrados nas regiões Norte e Nordeste, na população feminina, no público de maior idade e de menor renda.

Importante citar que o Banco Central nos seus estudos utiliza a nomenclatura endividamento de risco. Enquadra nesta qualidade “o tomador de crédito que atende simultaneamente a dois ou mais dos critérios relacionados a seguir: inadimplência, comprometimento da renda mensal com o pagamento de dívidas acima de 50%, exposição simultânea a cheque especial, crédito pessoal sem consignação e crédito rotativo, e renda disponível mensal (após o pagamento de dívidas) abaixo da linha de pobreza.”  BANCO CENTRAL. Banco Central atualiza números sobre o endividamento de risco. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/752/noticia, acesso em 12 abr. 2024.

[7] Em relação ao cartão de crédito consignado, o Banco Central informa: “Funciona como um cartão de crédito comum e é usado para o pagamento de produtos e de serviços no comércio. A diferença é que, no cartão de crédito consignado, o valor da fatura pode ser descontado, total ou parcialmente, automaticamente na sua folha de pagamento, limitado ao valor da margem consignável.” BANCO CENTRAL. Empréstimos Consignados. Disponível em https://www.bcb.gov.br/meubc/faqs/p/o-que-e-cartao-de-credito-consignado. Acesso em 14 abr. 2024. Entretanto, há que se ponderar a falta de compreensão acerca dos produtos financeiros ofertados aos consumidores. Infelizmente, é corriqueiro que o consumidor (especialmente o hipervulnerável) contrate o cartão consignado imaginando estar contratando um empréstimo consignado, após ter sido induzido ao erro. Caso a instituição financeira desconte parcialmente o valor da fatura na folha de pagamento ou do benefício previdenciário, e não haja o pagamento da dívida restante, o consumidor arcará com a cobrança dos altíssimos juros do crédito rotativo do cartão.

[8] O GLOBO. Empréstimo consignado: bancos concedem crédito que o cliente sequer pediu. 13/08/2023. Disponível em https://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/noticia/2023/08/13/emprestimo-consignado-bancos-concedem-credito-que-o-cliente-sequer-pediu.ghtml . Acesso em 14 abr. 2024.

JURÍDICO CERTO. MPF processa Banco C6 e INSS por possíveis fraudes em empréstimo consignado. 06/02/2024. Disponível em: https://juridicocerto.com/p/davidviniciusadv/artigos/mpf-processa-banco-c6-e-inss-por-possiveis-fraudes-em-emprestimo-consignado-6733 .

[9] A plataforma Consumidor.gov.br é um serviço público e gratuito que permite a comunicação direta entre consumidores e empresas cadastradas voluntariamente (em abril de 2024 eram 1419 fornecedores), para a solução de conflitos de consumo, via internet. Atualmente, 78% das reclamações registradas na plataforma são solucionadas pelas empresas, que respondem às demandas dos consumidores em um prazo médio de 6 dias.

[10] SENACON. MJSP. Boletim Consumidor.gov.br 2023. Disponível em https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/11.03.2024PDFBoletimConsumidor.gov.br2023_final_compressed3.pdf . Acesso em 13.abr.2024. Acesso em 14 abr. 2024.

[11] O Brasil aderiu em 2021 à Recomendação OCDE/LEGAL/0453, que dispõe sobre a proteção do consumidor no domínio do Crédito. Em síntese, além de incentivar a promoção da educação e conscientização financeira, e  a conduta empresarial responsável na oferta e concessão de crédito, a Recomendação indica que os países aderentes adotem medidas com o objetivo de garantir tratamento equitativo e justo aos consumidores, proteção de seus dados pessoais, e informações adequadas no fornecimento de crédito.

[12] BANCO CENTRAL. BC aplica pesquisa da OCDE sobre conhecimentos e hábitos financeiros dos brasileiros. 02/02/2023. Disponível em https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/662/noticia . Acesso em 14 abr. 2024.

[13] Para a elaboração do Relatório, foi aplicada uma pesquisa quantitativa estruturada, elaborada a partir de uma adaptação da metodologia Toolkit OCDE/INFE para o contexto nacional. Nesta pesquisa, o letramento foi calculado considerando três dimensões: comportamento financeiro, atitude (ou postura) ao fazer escolhas financeiras e conhecimento sobre finanças. É possível consultar o documento no site https://www.bcb.gov.br/content/cidadaniafinanceira/documentos_cidadania/letramento/relatorio-de-letramento-financeiro.pdf . Acesso em 14 abr. 2024.

[14]  Bem-estar financeiro é estado em que o indivíduo consegue cumprir com suas necessidades financeiras, lidar com choques financeiros e, ao mesmo tempo, ser capaz de se planejar e de conquistar sonhos.

[15] Deve-se refletir que as decisões financeiras dos consumidores são influenciadas não apenas por fatores econômicos, mas também por aspectos psicológicos e sociais.