Golpes financeiros começam quase sempre de maneira parecida. Na maioria das vezes, o contato de uma falsa central alerta o consumidor sobre uma suposta tentativa de fraude na conta bancária e, a partir daí, com as técnicas da chamada engenharia social, induz o cidadão a práticas que o deixam cada vez mais vulnerável. Com o golpe do acesso remoto, também conhecido como mão fantasma, não é diferente.
Na forma mais comum, o correntista é levado a instalar um aplicativo de acesso remoto no celular e, a partir daí, o criminoso consegue informações que permitem acessar o app bancário da vítima em outro smartphone, computador ou tablet, diferente daquele em que está originalmente instalado. Assim, faz empréstimos, transações Pix e saques em aplicações financeiras.
Mas é possível também que os golpistas consigam o acesso remoto ao aplicativo sem nenhum contato com o consumidor, usando dados vazados ou durante uma conexão via rede de wi-fi aberta. Os bancos informam que estão aprimorando mecanismos para eliminara as vulnerabilidades.
Direito ao ressarcimento
Os bancos têm como impedir que criminosos façam o acesso remoto ao aplicativo do correntista? Essa era a pergunta que motivou um teste realizado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Após questionar Bradesco, Itaú, Nubank e Santander sobre as medidas que adotavam para impedir o golpe, técnicos da equipe de Serviços Financeiros da entidade testaram o acesso remoto aos aplicativos dos quatro bancos e constataram falha de segurança.
Apenas o Itaú bloqueou a transação maliciosa. Nos aplicativos de Nubank e Santander foram enfrentados alguns obstáculos ao acesso, mas os técnicos do Idec, apesar de não serem especialistas em tecnologia, conseguiram ultrapassá-los. No app, do Bradesco, não houve entraves.
— Se os bancos não podem oferecer segurança fora do aplicativo não poderiam oferecer esse serviço. E muito menos podem transferir ao consumidor essa responsabilidade e se negar a ressarci-los quando o golpe acontece — diz Ione Amorim, coordenadora de Serviços Financeiros do Idec.
Ione destaca que o objetivo do teste é apontar a responsabilidade dos bancos em garantir a proteção de seus clientes e reafirmar o direito do consumidor a ser ressarcido do seu prejuízo, já que, para o Idec, há formas de as instituições evitarem esse tipo golpe.
Segurança 100% é utopia
Para Emílio Simoni, CEO da AHT Security, de um lado está a segurança e do outro a usabilidade do cliente:
— É uma escolha de cada banco. E nunca vai se garantir 100%. Para ter segurança de 100% só desligando todos os dispositivos, o que é uma utopia, a perda da praticidade do internet banking. A solução para as fraudes não é só tecnológica, mas de educação e conscientização do consumidor, como os bancos começam a fazer agora.
Na avaliação de Pedro Saliba, coordenador da Data Privicy Brasil, no entanto, entre oferecer uma comodidade ao consumidor de acessar remotamente seu aplicativo ou garantir segurança, a prioridade deve ser sempre a segurança. Ele ainda ressalta:
— Assim como prevê o Código de Defesa do Consumidor, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) determina que o ônus da prova é do operador dos dados. Ou seja, é o banco que deve comprovar que o cliente fez aquela operação, não é o consumidor que precisa provar que foi vítima de um golpe.
Servidora pública aposentada, Maria do Carmo Marques Constantino, de 67 anos, teve um prejuízo de mais de R$ 26 mil após ser vítima de um golpe da mão invisível em março deste ano. Cliente do Nubank, ela acionou o banco pelo chat do aplicativo para pedir a contestação de uma compra. Dias depois, recebeu uma ligação de uma pessoa que, se passando por atendente do banco, dizia entrar em contato para concluir o pedido que ela havia feito.
Não era uma funcionária do banco, mas uma golpista que tinha todos os dados pessoais da vítima e a convenceu a acessar o app. Com a ferramenta desbloqueada, deu-se o golpe. A tela do celular de Maria do Carmo ficou preta, e ela perdeu o controle do aparelho, que precisou ser restaurado no modo fábrica.
— Como estava esperando um contato, acreditei na ligação. Quando consegui acessar a conta, vi que tinham feito três empréstimos, de R$ 18,5 mil, R$ 5 mil e R$ 3 mil, e transferências via Pix dos valores — diz a consumidora, que conta que restringia suas movimentações ao uso do cartão e a transferência mensal de dinheiro de outro banco para pagamento da fatura.
Maria do Carmo registrou o caso numa delegacia e acionou o banco, que não a ressarciu do prejuízo. O caso está tramitando na Justiça.
Procurado, o Nubank diz que “não comenta processos em tramitação no Judiciário, assim como, em respeito ao sigilo bancário, não trata de situações específicas de clientes publicamente, mas está avaliando o caso”.
O Nubank afirma ainda que um sistema de proteção, construído com inteligência artificial, indica comportamentos atípicos em relação ao perfil do usuário, que levam não apenas ao bloqueio da operação, mas também a checagens adicionais para garantir que é o cliente quem está realizando a transação.
Reforço na segurança
Com cada vez mais ameaças digitais, os bancos dizem que estão reforçando seus investimentos em mecanismos de segurança para evitar golpes.
O Bradesco afirma “investir constantemente em tecnologia visando garantir a segurança de seus clientes. Estes investimentos convergem na criação de dispositivos de segurança que resguardam as operações realizadas em todos os canais de atendimento do banco”.
A instituição financeira “reforça que não entra em contato com clientes pedindo senhas, posições da chave de segurança, atualizações sistêmicas ou solicitando que o usuário baixe aplicativos de acesso remoto”. E orienta que mensagens suspeitas sejam encaminhadas ao canal de denúncias (evidencia@bradesco.com.br), assim como se consulte as dicas de segurança em seu site (https://bit.ly/3EVuyNi). O banco ressalta que realiza campanhas de conscientização e interação com as empresas de telefonia.
O Itaú diz ter “segurança como uma de suas prioridades e investir continuamente em sistemas e medidas para a proteção dos seus clientes, além de realizar comunicações e campanhas de prevenção a golpes direcionadas a eles”. O banco reforça, ainda, que os dispositivos utilizados por seus clientes possuem mecanismos de segurança que impedem o acesso externo por terceiros.
Mecanismos de defesa já implementados pelo Nubank dificultam a realização da transação indevida, diz o banco digital. E ressalta que esses “mesmos mecanismos já eram capazes de impedir a realização da operação, uma vez que a situação em que o teste do Idec ocorreu difere, em uma série de fatores, de uma situação real de tentativa de golpe”.
O Nubank destaca que “clientes que estão com seus aplicativos atualizados já contam com camadas adicionais de proteção, incluindo mecanismos que efetivamente bloqueiam o uso do aplicativo por acesso remoto”. A fintech diz investir em segurança e destaca o uso de ferramentas preventivas, de mecanismos internos de detecção de operações suspeitas e as campanhas de orientações sobre como identificar e se proteger de tentativas de golpes.
O Nubank informa ainda que, desde julho de 2022, dispõe de um alerta de golpe, que sinaliza caso o cliente esteja prestes a confirmar transação para conta suspeita. E reforça ainda as defesas construídas com inteligência artificial que indicam comportamentos atípicos e o uso do reconhecimento facial, como uma camada adicional de segurança para operações no aplicativo.
O Santander afirma ter “eficazes mecanismos de proteção para segurança da operacionalização do seu aplicativo pelos clientes”. E acrescenta que há “diversas tecnologias capazes de identificar situações de risco e, assim, atuar na prevenção efetiva de golpes e fraudes”. Em nota, o banco de origem espanhola “ressalta sua confiança na integridade e eficiência de seus mecanismos e sistemas de proteção, bem como na segurança operacional de seus canais, produtos e serviços, proporcionando proteção e segurança aos clientes”.